Marina Abramovic em Florença? Sim! Após grandes exposições de sucesso dedicadas a Bill Viola (2017) e Ai Weiwei (2016), o Palazzo Strozzi traz à Florença os trabalhos e performances de uma das mais artistas mais famosas e também mais controversas da arte contemporânea internacional.

Marina Abramovic em Florença: The Cleaner

Marina Abramovic em Florença: The Cleaner

Trata-se de um evento-exposição muito aguardado em Florença que se desenvolve entre o piso nobre,  a Strozzina e o pátio interno do edifício histórico. A exposição The Cleaner será exibida no Palazzo Strozzi de 21 de setembro de 2018 à 20 de janeiro de 2019.

Esta é a primeira vez que o Palazzo Strozzi apresenta uma exposição dedicada exclusivamente a uma mulher. “Espero não estar sozinha”, disse Abramovic durante a apresentação da exposição.

A exposição é na verdade uma grande retrospectiva da carreira da artista que vai dos anos 70 ao ano 2000. O título “The Cleaner” refere-se a um certo momento da nossa vida em que nos limpamos e nos livramos das coisas antigas: o que sobra é o melhor da nossa experiência. E o melhor da carreira de Marina Abramovic será exibido na exposição de Florença.

A essência e alma da artista está presente em toda a exposição através de vídeos e fotos que documentam suas mais famosas performances e fases de sua carreira, mas não será possível ver Marina Abramovic em carne e osso. A artista anunciou que está se dedicando ao seu novo trabalho, assim teremos que esperar até 2020, quando ela irá apresentá-lo  na Royal Academy, em Londres.

Em Florença, no entanto, poderemos escutar a voz de Abramovic que acompanhará os visitantes através das várias salas, graças à última geração de áudio guia, descrevendo e relembrando as performances e os diferentes momentos de sua vida.

A simbiose com Ulay

No ano seguinte, mudou-se para Amsterdã e conheceu Ulay (Frank Uwe Laysiepen) um artista alemão com quem iniciou uma longa colaboração e relacionamento sentimental muito simbiótico tanto que eles se definiam um único organismo. Compartilhavam a idéia de poder chegar ao limite extremo utilizando o corpo, o tempo e o som na arte.

The Lovers – Marina Abramovic e Ulay – The Cleaner – Palazzo Strozzi

Juntos realizaram várias apresentações como Imponderabilia, em Bolonha. O relacionamento dura 12 anos. Em 1988 eles transformam o fim desse amor em algo espetacular. Ambos caminham pela Muralha da China, partindo de extremidades opostas. Depois de uma caminhada de 2500 quilômetros que durou 90 dias, eles se despedem: uma performance chamada The Lovers. É possível assistir o video com algumas cenas dessa performance. O video é belissímo e uma romântica como eu não não consegue segurar as lágrimas quando os dois se encontram. É o fim da performance, mais acima de tudo é o fim de uma parceria profissional e o fim de um amor eloquente.  No chão da sala foram colocados dois objetos em forma de coração, que mesmo separados, são unidos de alguma forma.

As obras e performances

A exposição oferece ao visitante a oportunidade de admirar mais de 100 obras de Abramović, como exemplo, pinturas, filmes, objetos, fotos e esculturas feitas entre os anos 70 e 2000. Também é possível ver algumas apresentações ao vivo de algumas de suas performances mais famosas,  reconstruídas graças a um grupo de 35 performances, entre artistas e bailarinos que foram selecionados e treinados especialmente para a ocasião.

Imponderabilia

Imponderabilia – Marina Abramovic e Ulay – Bologna 1977

Entre as perfomances destacamos Imponderabilia, em que o público é forçado a passar por uma “porta humana”, ou seja, um pequeno espaço que fica entre dois atores nus.

A apresentação foi feita em 1977 na Galeria Municipal de Arte Moderna de Bolonha, onde Marina Abramović e então seu companheiro de vida e arte, o artista alemão Ulay passaram noventa minutos de pé frente a frente, imóveis e nus em uma entrada estreita, forçando os visitantes que queriam entrar no museu passarem entre eles. O desempenho deveria durar seis horas, mas foi interrompido pela polícia. Na re-performance no Palazzo Strozzi,  dois artistas estão nus em uma passagem estreita na entrada da primeira sala do piso nobre e os visitantes podem escolher entre passar entre os dois corpos ou ao lado da “porta humana”.

Imponderabilia foi uma das apresentações mais famosas da história da arte: através da nudez, os dois artistas quiseram investigar o comportamento humano.

Quando: todos os dias das 11h30 às 19h30, quinta-feira às 21h30 no Andar nobre do Palazzo Strozzi.

A Série Relation 

Relation – The Cleaner – Palazzo Strozzi

A série Relation dá forma a um projeto de dualidade e simbiose com obras que chegam ao extremo limite da resistência física. Marina e Ulay afirmaram que se transformaram em um único organismo, uma criatura com duas cabeças que representavam obras repletas de conceitos de dualidade e simbiose. A dualidade é tão que os dois usam sempre o mesmo corte de cabelos, ou seja, se Marina usa longo, Ulay também. Se Ulay usa os cabelos curtos, Marina também.

As performances eram vibrantes, inesquecíveis, hiponitizantes. Os dois artistas compartilhavam uma profunda capacidade de suportação e a idéia artística de chegar ao extremo limite físico, pontuados com pausas respiros, tapas, gritos… O encontro de corpos e do corpo com a matéria. Documentavam tudo com muita precisão e respeitavam as regras de nunca repetir a mesma performance

Relation in Time – Marina Abramovic e Ulay

Na Relation in Time (1977), Marina e Ulay amarram os seus longos cabelos formando uma espécie de cordão umbilical, transformando-se em um único ser.

Rest Energy (1980) foi um performance muito intensa pois é possível sentir os batimentos cardíacos pois foram amplificados com uso de microfones. Segundo Marina, foi a representação mais extrema sobre o tema confiança. Marina segura um grande arco e Ulay as cordas segurando entre os dedos a base da onde partia uma flecha apontada para o coração de Marina. Imagina se por algum motivo Ulay soltasse as cordas…

Rest Energy

A performance durou 4 minutos e 20 segundos que deveriam parecer uma eternidade. A tensão dos dois artista deve ter sido uma coisa insurpotável.

Cleaning the Mirror

Cleaning the Mirror – The Cleaner – Palazzo Strozzi – Florença

Ainda no piso nobre do Palazzo Strozzi encontram-se as re-performances de “Cleaning the Mirror“, na qual Marina Abramovic em 1975 limpou obsessivamente os ossos de um esqueleto humano. Em Cleaning the Mirror, o performer está sentado com um esqueleto em seu colo, numa tentativa obsessiva de limpá-lo com uma escova que, imersa em água suja, nunca será limpo. Marina Abramović interpretou essa performance pela primeira vez em 1995, com o objetivo de lidar com o tema da morte e da temporalidade: o esqueleto é, de fato, o último espelho que vamos enfrentar. A re-performance refere-se, também aos rituais de morte tibetanos que preparam os discípulos para se tornarem um único ser com sua própria mortalidade.

Quando: Terça, quarta, sexta, sábado, domingo das 14h30 às 19h30  – Andar nobre Palazzo Strozzi

Luminosity

Luminosity” é uma das performance que exige um grande esforço físico.  Durante essa performance a artista permanece nua em equilíbrio por trinta minutos apoiada em uma sela de bicicleta com os pés suspensos no chão, movendo lentamente os braços e pernas. A obra sugere uma reflexão sobre a intensidade da espiritualidade que é capaz de se impor na fisicalidade do corpo através do controle do movimento. A intensidade da luz aumenta o volume do espaço lentamente.

Quando: Segunda, quinta e sexta das 15h00 às 16h00, domingo das 12h00 às 13h00 – Piso nobre Palazzo Strozzi.

The House with the Ocean View

The House with the Ocean View – The Cleaner – Palazzo Strozzi – Florença

Pela primeira vez na Itália, de 28 de novembro a 9 de dezembro, o Palazzo Strozzi sediará a re-performance de The House with the Ocean View. É uma estrutura suspensa que reproduz três comodos de uma casa onde os atores interpretam a experiência que em 2002 Marina Abramović, apresentou na galeria Sean Kelly em Nova York. Alí, Marina Abramovic viveu continuamente por 12 dias em silêncio e sem comer no  interior de uma estrutura suspensa e conectada ao solo por escadas cujos pinos foram substituídos por facas pontiagudas. Os visitantes podiam observá-la enquanto ela dormia, meditava, tomava banho ou usava o banheiro.

Essa performance pretende ser uma declaração de transparência e um estado de impotência que permite um diálogo de energia entre o protagonista e o espectador, além de nos fazer refletir sobre o vazio, o tempo, o espaço.

Balkan Barroque

Balkan Baroque é uma performance executada por Marina Abramović em ocasião da Bienal de Veneza de 1997, premiada com o Leão de Ouro.

Após as devastantes guerras balcanicas dos ano 90, Marina Abramovic é convidada para representar a Servia e Montenegro no pavilhão iuguslavo na Bienal de Veneza de 1997. Porém Abramovic se retira por causa das controvérsias na escolha da obra a ser exposta. Assim,  ela foi convidada pelo curador Germano Celant para apresentar a obra Balkan Baroque. Apesar de chocar o público e a crítica, a performance – metáfora contra todas as guerras – obtém amplo reconhecimento e é premiada com o “Leone d’Oro” (Leão de Ouro).

Durante essa performance, feita em um porão em baixo do pavilhão da Itália, artista era sentada sobre uma pilha de ossos bovinos. Embaixo da pilha tinham 500 ossos limpos e na parte de cima 2.000 ossos sanguinolentos, com carne e cartilagens.  Por quatro dias, sete horas ao dia, a artista esfregava os ossos sanguinolentos eliminando assim a carne e a cartilagem em um ritual de purificação de si mesma e dos massacres ocorridos nos Bálcãs.

No porão sem ar condicionado, no úmido verão de Veneza, as carnes dos ossos começaram a entrarem em estado de  putrefação, aparecendo assim os vermes. Mas Abramovic continuava a esfregar e a limpar os ossos. Imaginem o cheiro terrível do ambiente, provavelmente igual ao dos campos de batalhas. Os visitantes entravam na fila e observavam, desgostosos pelo odor, mas hipnotizados pelo espetáculo. Abramovic continuava a limpar os ossos, chorando e cantando canções iuguslavas, recordando a sua infância.

Com esse trabalho a artista quis denunciar os horrores que foram cometidos durante a guerra nos Bálcãs.

Art must be beautiful… artist must be beautiful…

Art must be beautiful… artist must be beautiful…

Em 1975,  Marina Abramović fez diversas performances como por exemplo Art must be beautiful… artist must be beautiful… além de outras performances extremas que incluem atos de autoflagelação. Em Art must be beautiful… artist must be beautiful… Marina contesta padrões, estéticas e convenções em uma performance de aproximadamente 13 minutos, onde ela escova com violência os cabelos dizendo que a arte deve ser bela, que o artista deve ser belo e nada mais.

The Artist is present 

The Artist is present

Em 2010, no MoMa, em Nova York, Abramovic deu vida a The Artist is present. Uma performance com duração de três meses durante a qual a artista, sentada durante horas com um vestido grande e largo, desafia qualquer um a sentar-se à sua frente e apoiar seu olhar. A grande emoção é quando, sem o conhecimento de Abramovic, o seu grande ex-amor Ulay, se senta a sua frente. A cena é belissíma pois é possível sentir e viver a emoção e os sentimentos do casal. O sentimento que vivi diante da cena é que quando você ama verdadeiramente uma pessoa, esse sentimento é para sempre, aconteça o que acontecer.  Na exposição de Marina Abramovic em Florença é possivel assistir  o video. Emocionante!

Transitory Objects for Human Use

Na exposição “The Cleaner” há também muitos trabalhos participativos onde o visitante interage com instrumentos, instalações, esculturas, em que o objeto se torna transmissor de energia ou revive performances famosas que tornaram Marina Abramović conhecida em todo o mundo.

Os Transitory Objects for Human Use de Marina Abramović encontram seu único sentido na interação com o ser humano: só assim a energia pode circular e o objeto pode se tornar verdadeiramente “transitório”.

Counting the Rice (2015)

Counting the Rice (2015) – The Cleaner – Palazzo Strozzi

É um exercício de participação pública, nascido de uma série de oficinas intituladas “Limpando a Casa”. Convidados a isolar-se através de fones de ouvido à prova de som, os visitantes sentam-se à mesa para dividir o arroz branco das lentilhas pretas, tomando nota em uma folha do número de grãos.

Marina Abramović quer dar ao público a oportunidade de refletir sobre o significado do presente e sobre uma nova conexão consigo mesmo, instilando uma sensação de calma, concentração e cuidado.

Quando: Todos os dias – Andar nobre Palazzo Strozzi

Strozzina

Na Strozzina, é possível acompanhar os principais estágios da carreira da artista, desde o início em Belgrado, como uma pintora figurativa e, em seguida, abstrata. Destas primeiras produções estão obras inéditas como o Autorretrato de 1965 e as pinturas da série Truck Accident (1963) e Clouds (1965-1970) em que se repetem obsessivamente violentos incidentes de caminhões e nuvens quase abstratos.

The Freeing Series (Memory, Voice, Body)

Ainda na Strozzina você poderá assistir The Freeing Series é um verdadeiro teste de resistência através de ações repetitivas exaustivas de palavras, sons e gestos.

Para Marina Abramović, este ritual representa uma passagem para “exorcizar” o seu contexto de origem antes de sair de Belgrado.

Em Freeing the Memory, o performer está sentado em uma cadeira de costas para a parede e repete continuamente palavras e frases em sua própria língua. A performance termina quando as palavras não vêm mais à mente.  Aparentemente, essa performance pode parecer menos severa do que as outras, mas isso não é verdade. Durante esta experiência, a mente do artista literalmente se esvazia e, no final, uma forte exaustão mental e física é sentida.

Freeing the Voice prevê que o performer, deitado no chão em um colchão com a cabeça jogada para trás, grita até perder a voz.

Freeing the Body: a música e o ritmo de um tambor africano movem o corpo do performer que, com a cabeça enfaixada por um curativo preto, dança e se move até cair exausto no chão.

Quando: Quinta e sábado a partir das 16 horas – Strozzina

Pátio Palazzo Strozzi

Pátio do Palazzo Strozzi – The Cleaner

Uma das coisas mais interessante é o furgão preto da Citroën estacionada no pátio do Palazzo Strozzi, comprada em 1977 em Amsterdã por Marina e Ulay  e com a qual levaram uma vida nômade, de  performances, entre exposições e festivais. Eles viajaram pela Europa durante três anos, sentiram frio, passaram fome, mas criaram arte.

Inventaram performances e cultivaram uma maneira de se expressar com corpo e mente, dando significado ao silêncio e ao embaraço. Primeiro desafiando a si mesmo e depois ao público. Foi dentro deste velho furgão que Abramovic e Ulay estudaram umas das mais célebres performance do casal: a Imponderabilia. Este furgão não é, portanto, uma lembrança, mas um ponto de partida para a aventura artística reconstruída na exposição The Cleaner de Marina Abramovic em Florença. 

Marina Abramovic no Museu Opera del Duomo

Como já aconteceu antes com outras exposições sediadas no Palazzo Strozzi, The Cleaner também se expandirá para um segundo lugar de arte em Florença, com o intuito de criar um novo relacionamento com as obras antigas. Duas obras de Marina Abramovic são exibidas dentro do Museo dell’Opera del Duomo em diálogo com obras-primas como a Pietà Bandini de Michelangelo.

Trata-se de uma fotografia da Pietà – Anima Mundi (1983/2002) e do vídeo The Kitchen V, Carrying the Milk (2009). Na primeira obra Marina Abramovic reinterpreta a iconografia sagrada da Pietà e na segunda presta homenagem à mística Santa Teresa de Ávila.

Informações úteis

O museu do Palazzo Strozzi é aberto todos os dias das 10h às 20h. As quintas-feiras o museu fecha às 23 horas.  O bilhete de ingresso custa 12 euros (bilhete reduzido 9,5 euros). É possível comprar um bilhete combinado com o Museu Opera del Duomo com o custo de 16 euros.

A exposição contém cenas de forte impacto emotivo e de nudez. Em algumas salas não é possível entrar menores de 18 anos. Creio que não seja uma visita aconselhavel para crianças e adolescentes.

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Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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