Na liturgia da Quarta-Feira Santa, temos o episódio, narrado no Evangelho de Mateus (Mt 26,14-25), da traição de Judas Iscariotes.
“Naquele tempo, um dos doze discípulos, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos sacerdotes e disse: “Que me dareis se vos entregar Jesus?” Combinaram, então, trinta moedas de prata. E daí em diante, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus.
Escolhemos duas obras de arte realizadas por Giotto di Bondone datadas de 1304-1306 e fazem parte do ciclo de afrescos da Cappella degli Scrovegni em Padova.
A traição de Judas
Do lado do templo de Jerusalém, simbolizado por um pequeno pórtico apoiado por colunas de mármore, os sumos sacerdotes, depois de testemunharem perplexos a expulsão dos mercadores do templo por Jesus, fazem acordos com Judas Iscariotes para capturar Cristo. O apóstolo traidor, agora possuído pelo diabo que o toca por trás, aceita o pagamento, recolhendo o saco com dinheiro.
Fortemente identificada é a fisionomia de Judas, com um olhar cuidadoso e um perfil aguçado, com bigode e barba. A capa amarela facilitará sua identificação na cena subsequente, a do beijo de Judas. Embora já possuído pelo diabo, Judas, ainda foi retratado com a auréola: traços dela podem ser vistos no gesso danificado pela umidade.
O beijo de Judas
Na arte cristã, é chamado O beijo de Judas um episódio da paixão de Cristo onde Judas se juntou a Cristo no Jardim das Oliveiras, local onde o Mestre havia passado a noite em oração e o beijou, revelando sua identidade aos soldados do Sinédrio para prendê-lo. No antigo Oriente, o beijo era um sinal de saudação, mas também uma expressão de amor, amizade e até veneração. Esses significados foram distorcidos por Judas, que escolheu trair Cristo, beijando-o.
A iconografia deste episódio normalmente prevê uma cena tumultuada, com as figuras de Cristo em atitude de calma ou de angustiada aceitação e de Judas beijando-o ou preparando-se para beijá-lo. Embora a iconografia seja tradicional, nessa cena Giotto renovou profundamente a composição, introduzindo uma extraordinária tensão psicológica e dramática.
A cena, uma das mais conhecidas de todo o ciclo da Cappella degli Scrovegni, é ambientada ao ar livre. Apesar da participação conspícua dos personagens, o núcleo central é perfeitamente identificável graças ao grande fundo amarelo da roupa de Judas, que se inclina para a frente, no centro, para beijar Jesus.
No beijo de Judas de Giotto, o barulho da grande multidão parece desaparecer quando os detalhes dos dois protagonistas são observados. Enquanto todos estão agitados, Jesus não reage, não diz nada, permanece imóvel. Ele apenas olha para Judas, que o envolve com a capa no abraço traidor. De fato, Jesus o encara com os olhos, tanto que Judas parece hesitar em beijá-lo, permanecendo como se estivesse preso, com os lábios em forma de “biquinho”, numa careta que o deixa desajeitado. Naquela época, era costume representar essa cena colocando Jesus em uma posição frontal, com o rosto voltado para o observador.
Assim, o Redentor parecia estranho a esse evento, já projetado em sua dimensão divina. Mas não para Giotto… Que quer sublinhar o drama todo humano da traição de um amigo e da decepção e sofrimento que isso implica. Jesus olha para Judas, porque é com ele e com a consciência dele que naquele momento, ele está fazendo as prestações das contas.
Somente observando com atenção, percebemos as outras cenas como a de Pedro que corta a orelha de um servo do Sumo Sacerdote com uma faca. Na composição chama atenção também a grande quantidade de lanças, alabardas e tochas que se erguem no ar. Armas que eram usadas no século XIV. Giotto nunca perde a oportunidade de nos contar como se vivia naquela época.
Vemos ainda, um homem encapuzado, de costas. Os personagens representados de costas são importantíssimos, pois acentuam a nossa percepção do espaço e principalmente nos ajuda a entrar “dentro” da cena. É como se estivéssemos assistindo o evento, e de repente aparece alguém na nossa frente. Somos, portanto, convidados a participar desse episódio, que é precisamente um fato, não a história contada em um livro: algo que realmente aconteceu e que mudou a história do mundo. E a nossa também…
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