Situada na impressionante Basílica de Santa Croce, em Florença, a Tavola Bardi é uma obra-prima da arte medieval que ilustra a vida de um dos santos mais venerados: São Francisco de Assis. Este painel, datado do século XIII, é uma importante representação da espiritualidade e do legado de São Francisco, destacando momentos significativos de sua vida, bem como suas interações com a natureza e a humanidade.

A Obra

Considerada uma das mais significativas do período, a obra foi provavelmente encomendada pela família Tedaldi e, desde 1595, ocupa o altar da capela Bardi, dando origem ao nome “Tavola Bardi” e ao título de “Maestro della Tavola Bardi” para seu autor, antes de ser atribuída a Coppo di Marcovaldo. Atualmente, está temporariamente exposta no transetto, enquanto os afrescos de Giotto passam por restauração.

A Tavola Bardi é composta por 20 cenas que narram eventos importantes da vida de São Francisco. Cada história carrega simbolismo e emoção, capturando a essência do santo que abandonou as riquezas materiais em prol da pobreza e da simplicidade. As cenas são dispostas para contar uma narrativa coesa, permitindo que os visitantes entendam a profundidade de sua missão e ensinamentos.

A execução da obra situa-se entre a canonização (1228) e a determinação de destruir biografias anteriores à de São Bonaventura (1266), podendo ser datada estilisticamente entre 1245-1250. A atribuição a Coppo di Marcovaldo, principal artista florentino antes de Cimabue, se deve à plasticidade das figuras, sua expressividade marcante e uma menor atenção à representação do espaço e da arquitetura.

Significado do Cartilho na Parte Superior da obra

São Francisco, ao centro, é representado em pé; na mão esquerda, ele segura um livro fechado (o Evangelho); com a direita, ele faz o gesto de bênção semelhante ao de Cristo. Acima de sua cabeça, dois anjos o aclamam, separados por um cartilho sustentado por uma mão celestial, onde se lê: hunc exaudite perhibentem dogmata vitae.

A obra se apresenta como uma verdadeira ícone. A vida exemplar de São Francisco é proposta para veneração e imitação. O cartilho é sustentado por uma mão (a de Deus) e é destacado pela presença de dois anjos que o indicam, quase convidando os espectadores a ouvirem e imitarem Francisco. O texto remete ao evangelho que descreve a Transfiguração do Senhor (Mt 17,5), onde Deus exorta os Apóstolos a ouvir o Seu Filho. O cartilho, portanto, é um convite a seguir os dogmas de vida, isto é, os preceitos e ensinamentos de vida, uma vez que são as palavras de Deus, que Francisco (novo evangelista, segundo Tomás de Celano) não escreve, mas transmite. O modelo é formado pelas palavras de Cristo: o Evangelho e as normas ali contidas.

Os frades que aparecem nas intersecções das molduras, aclamando as várias histórias, respondem ao comando divino e convidam a expandir o consenso exigido pela imagem. “O Pai permitiu que o Filho se oferecesse no altar da cruz… deixando a nós o exemplo para que pudéssemos seguir suas pegadas…”, disse Francisco na Lettera a tutti i Fedeli; essas palavras podem ser repetidas como um resumo comentado para esta pintura.

As 20 Histórias da vida de Francisco de Assis

Ao redor de Francisco de Assis e na parte inferior, estão dispostas vinte cenas que ilustram a vida e os milagres do santo. As várias cenas são contidas por uma borda ricamente decorada, nas intersecções dessas molduras, há frades em meia figura, também acclamando seu fundador.

São Francisco é retratado em pé, abençoando, com um livro na mão esquerda. Na faixa decorativa interna, há pequenos bustos de frades franciscanos, que podem aludir à comunidade de Santa Croce da época. As vinte histórias que cercam Francisco – compondo a narrativa mais completa sobre as suas vivências antes do ciclo de Assis – são extraídas da Vita Prima de Tomás de Celano (1228-1229) e devem ser lidas no sentido anti-horário, começando pelo topo à esquerda:

1. Francisco, preso pelo pai, é libertado pela mãe;
2 . Despede-se das vestes diante de Guido, bispo de Assis, e seu pai, Bernardone;
3. Desenha o hábito franciscano diante do bispo;
4. Escolhe a pobreza evangélica, manifestando-a ao se despir das sandálias;
5. Francisco e seus companheiros são recebidos por Inocêncio III, que aprova verbalmente a Regra franciscana (ratificada oficialmente por Honório III);
6. Institui o presépio em Greccio;
7. Prega aos pássaros;
8. Dialoga com muçulmanos perante o Sultão;
9. Resgata um cordeiro pastando entre cabras;
10. Troca suas vestes por dois cordeiros que seriam sacrificados;
11. Recebe as estigmas;
12. Faz pública penitência por ter quebrado o jejum;
13. Aparece a Frei Monaldo enquanto os frades se reúnem no Capítulo de Arles durante o sermão de Santo Antônio;
14. Instrui os leprosos, carregando um em seu colo e lavando os pés dos demais;
15. Ao falecer, sua alma é levada ao céu por anjos e curam-se os coxos;
16. Durante o funeral, cura uma jovem com o pescoço torto e expulsa demônios de uma mulher de Narni e de Pedro de Foligno;
17. é canonizado por Gregório IX;
18. Salva do naufrágio um navio que partia de Ancona;
19. Peregrinos e marinheiros gratos levam velas para seu túmulo;
20. Cura Bartolemu de Narni da gota.

Significado Cultural e Espiritual

A Tavola Bardi não é apenas uma obra de arte; é um testemunho da vida de um homem que dedicou sua existência ao amor e ao serviço. Através de suas narrativas, somos convidados a refletir sobre valores como humildade, compaixão e conexão com a natureza. A arte medieval, exemplificada nesta obra, serve como uma ponte entre o passado e o presente, inspirando novas gerações a trilhar os passos de São Francisco.

Dicas para Visitação


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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