Essa semana a Galleria degli Uffizi publicou um artigo muito interessante sobre um tema muito atual: vacina! Não estamos falando da vacina do coronavírus, mas da varíola. Esta não é uma postagem política e nem tem a intenção de discutir se vale a pena ou não se vacinar. É apenas o conto de um fato histórico que aconteceu na Toscana no século XVIII. Abaixo reproduzo parte do texto para vocês.

Pietro Leopoldo da Toscana e sua família

Em 1756, a Toscana foi atingida por uma violenta epidemia de varíola. O médico grão-ducal Giovanni Targioni Tozzetti praticou enxertos do vírus da varíola em seis crianças abandonadas; essa prática, de experimentação recente, não teve a aprovação unânime do mundo científico.

O Grão-Duque Pietro Leopoldo não teve duvidas. Ele decidiu se vacinar, aconselhado pela sua mãe, a Imperatriz Maria Teresa da Áustria, que já havia contraído o vírus, usando a técnica pioneira de imunização contra a varíola, praticada por J. Ingenhousz.

A vacina consistia em uma incisão na pele com uma lâmina que tinha sido mergulhada no conteúdo de uma pústula de varíola retirada de um paciente e que era capaz de causar uma forma branda e controlável da doença.

Mas como a varíola se manifestava?

Os sinais clínicos eram evidentes: surgiram pústulas cutâneas purulentas e dolorosas na face e tronco, que invadiu a cavidade orofaríngea, impedindo o indivíduo de se alimentar.

A doença era acompanhada de febre alta e muitas vezes tinha consequências fatais. Os que sobreviveram ficavam completamente desfigurados pelas cicatrizes profundas das pústulas.

Ferdinando II de’Medici

O retrato do pintor da corte Justus Suttermans (1597-1681), na coleção do Palazzo Pitti, retrata o grão-duque da Toscana Ferdinando II de ‘Medici doente, no nono dia de varíola.

A primeira evidência clínica confiável da varíola data de mais de 3.000 anos atrás, encontrada na múmia do faraó egípcio Ramsés V.

Em 1796 a técnica foi renovada pelo médico inglês Edward Jenner: em sua experiência clínica ele notou que as pessoas que contraíam a “vaiolo vaccino” – uma variante da varíola típica das vacas e transmissível aos humanos de uma forma muito mais benigna – eram imunes à varíola humana.

É justamente da palavra “vaca” que deriva o termo “vac-ina” porque o médico decidiu usar o material retirado de pústulas da variante animal e colocar nas humanas, reduzindo drasticamente os riscos.

O sucesso foi enorme, a prática tomou o nome de “vacinação” e uma campanha massiva de imunização foi realizada desde o século XIX.

Os estudos imunológicos do século XX confirmaram e aprimoraram as técnicas: graças ao maciço esforço conjunto de todas as nações do mundo comprometidas com a vacinação, a OMS finalmente pôde declarar em 1979 que a doença havia sido erradicada para sempre.

Não é surpreendente, entretanto, que as primeiras descobertas da ciência ocorreram na época do Iluminismo, uma corrente de pensamento teorizada pelo filósofo alemão Immanuel Kant que marca o uso da razão no lugar das falsas crenças. Em seu ensaio de 1784, ele explica em poucas linhas exatamente o que é o Iluminismo:

«“É a saída do homem de sua menoridade [intelectual] da qual ele mesmo é responsável”.

Que se entende por menoridade? “A incapacidade do homem de servir-se de seu entendimento (de seu pensamento) sem ser dirigido por outras pessoas (por tutores ou conselheiros)… ».


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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