Giulio de’ Medici era filho ilegítimo de Giuliano de’Medici, irmão de Lorenzo o Magnífico que foi assassinado na Conspiração Pazzi. Ele nasceu um mês após a morte do seu pai e foi acolhido e educado pelo tio Lorenzo.

Giulio foi uma pessoa cheia de energia, tão talentoso quanto seu tio Lorenzo. Era sagaz, audacioso e falava de qualquer tema, seja de filosofia, teologia, mecânica, arquitetura e hidráulica sem nenhuma dificuldade. O problema era que ele dedicou toda a sua vida às coisas que não eram tão nobres, e isso fez com que os seus méritos não fossem reconhecidos pela história.

Desde de criança, ele sempre teve uma ligação muito forte com seu primo Giovanni. Quando Giovanni foi eleito papa como o nome de Leão X, Giulio foi nomeado cardeal e foi também conselheiro do Papa. Estava sempre pronto para assumir o peso de todas as responsabilidades do papado de Leão X.

Planos para Florença

Segundo o escritor G. F. Yong, a mente fértil de Giulio, durante os longos anos de exílio, havia preparado um plano de ação, no caso dos Medici conseguissem entrar em Florença, para reconquistar o poder da cidade. A potência dos Medici não deveria mais ser fundada na popularidade, mas sim na força, ou seja, um governo dirigido com mãos de aço, mas vestidas de veludo.

Giulio sonhava com a abolição da República Florentina e com a implantação de uma monarquia absoluta em toda a Toscana. Tudo isso poderia acontecer somente se Giovanni fosse eleito papa e continuasse, claro, a ouvir os seus conselhos.

Em Giulio, todo o sentimento de generosidade e amor pelo povo, clemência pelos inimigos que os Medici sempre tiveram, parecia realmente não existir. Debaixo de um rosto bonito e uma aparência jovial se escondia um coração frio, um caráter que sempre lhe impulsionava a perseguir objetivos poucos nobres. Enfim, uma natureza sem escrúpulos.

Quando os Medici enfim conseguiram, com a ajuda das tropas da Liga Santa do Papa Giulio II, retornarem a Florença, o Cardeal Giovanni de’Medici, entregou o governo da cidade nas mãos do seu irmão mais novo, Giuliano. Este fato não foi do agrado de Giulio, pois ele sabia que o primo mais novo era absolutamente contrário as suas ideias de governo.

Assim, ele teve que esperar o momento certo. De fato quando Giovanni foi eleito papa, Giuliano teve que deixar o governo de Florença para comandar o exército pontifício. E assim, Florença teve um outro governo, com Lorenzo di Pietro de’Medici.

Papa Clemente VII

Clemente VII – Sebastiano del Piombo

Já vimos no artigo dedicado a Leão X, que a gestão política do papado estava nas mãos do Cardeal Giulio de’Medici. No dia 19 de novembro de 1523, Giulio, aos 45 anos de idade, triunfou e foi eleito papa com o nome de Clemente VII, após um conclave de 50 dias.

Ippolito e Alessandro de’Medici

A primeira coisa que Giulio fez como papa foi garantir que o governo de Florença ficasse nas mãos dos Medici. O problema é que na época, não tinha um Medici que poderia assumir o governo: Giuliano, que tinha morrido, tinha deixado um filho ilegítimo, Ippolito, mas era muito jovem e não poderia assumir o governo da cidade. Lorenzo, filho de Piero o Fátuo, tinha morrido e deixado somente um filha, Catarina de’Medici, que também era jovem demais.

Assim, o Papa Clemente VII, enviou para Florença o Cardeal Passerini, para administrar a cidade. Juntamente com Passerini, veio também Ippolito, um jovem de 15 anos, inteligente e simpático e que todos consideravam como o sucessor natural dos Medici no governo.

Passerini e Ippolito viviam no Palazzo Medici. Poucos meses depois, foi entregue ao Cardeal Passerini um outro jovem de 13 anos que vinha de Nápoles chamado Alessandro, que logo ganhou o apelido de “O Mouro” por causa dos cabelos e da pele escura. A origem deste jovem foi mantida secreta por todo esse tempo. Ele tinha nascido durante o exílio dos Medici e segundo a crítica, provavelmente era filho de Clemente VII.

Como a morte de Papa Leão, de Giuliano e de Lorenzo, Clemente fez de modo que o jovem Alessandro fosse declarado filho ilegítimo de Lorenzo, ou seja, irmão de Catarina de’Medici. A ideia, provavelmente era “roubar” a herança de Ippolito. Como filho de Lorenzo, o herdeiro natural dos Medici no governo da cidade seria Alessandro e não Ippolito.

Carlos V e Francisco I

Os onze anos de pontificado de Clemente VII (1523-34) foram difíceis para a Europa, principalmente por causa do contraste entre Carlos V e Francisco I da França que durou 26 anos e só terminou com a morte dos dois. Pelo menos metade desta disputa, foi alimentada por Clemente VII. Durante todo o seu pontificado, Clemente VII fez de tudo para colocar Francisco I contra Carlos V e vice e versa. A idéia, provavelmente era impedir que os dois se unissem contra o próprio Papa.

Francisco I, rei da França

Inicialmente, Clemente VII, apoiou Carlos V, depois ele virou a mesa e fez um tratado secreto com Francisco I. Depois apoiou novamente Carlos V. Trocava de lado de acordo com os seus interesses. O único objetivo do papa era inflamar sempre mais a relação dos dois governantes. O imperador Carlos V tinha expresso o desejo de efetuar algumas reformas na igreja, elegendo um conselho geral. Inicialmente, Clemente VII fingiu que era de acordo, mas começou a inflamar a relação do Imperador com o rei da França, assim, ele teria mais com que se preocupar, em vez de pensar na reforma da igreja.

Imperador Carlos V

Quando percebeu que Carlos V estava sempre mais forte, Clemente VII criou uma aliança chamada Liga de Cognac da qual participavam a França, o Papa, Florença e Veneza. A Liga de Cognac tinha o objetivo de se opor a Carlos V e ajudar Francesco Sforza, duque de Milão, que estava sendo assediado pelo exército do Imperador.

A sua maior desgraça foi ter que escolher entre Carlos V e Francisco I da França. Além de ter muitos inimigos em Roma, como por exemplo os Colonna, que não perdiam nenhuma ocasião para fazer oposição.

O saque de Roma

O saque de Roma – Francisco J. Amérigo, 1884.

Cansado das intrigas de Clemente VII, o Imperador Carlos V, preparou um grande castigo para o Papa. Nascia assim, um dos episódios mais triste da história da Cidade Eterna: o saque de Roma de 1527. Era 06 de maio de 1527 quando Roma foi invadida pelos soldados luteranos mercenários de Carlos V. Foram dias de terror e saqueios. Os lanzichenecchi destruíram tudo que viram pela frente.

Enquanto isso, Clemente VII, se refugiou dentro dos muros do Castel Sant’Angelo, prisioneiro de si mesmo, mas principalmente do terror daquele exército de lanzichenecchi que se trazia morte e destruição. Entre os seus defensores estava o escultor florentino Benvenutti Cellini, que pegou em armas para defender o papa. Nenhum dos aliados do Papa veio socorrê-lo. Somente em dezembro, o Papa conseguiu fugir, disfarçado, para Orvieto.

Eram pouco mais de 10 mil homens mercenários, comandados por Giorgio Frundsberg, que mesmo combatendo por Carlos V, deveriam fazer crer que era uma ação isolada, pois o Imperador Católico não poderia, oficialmente, se permitir atacar o papado.

Além do terror de Roma, chegou uma triste notícia para Clemente VII: sua família, os Medici, foram expulsos novamente de Florença. Era a terceira vez que os Medici eram expulsos de Florença. O saque de Roma, parecia sinalizar o fim de Clemente VII. Os imperais só deixaram Roma alguns meses depois de destruição e morte, quando a peste, que apareceu repentinamente, começou a fazer vítimas também entre os soldados.

Em junho de 1529, Clemente VII encontrou-se com Carlos V em Barcelona, onde fizeram um acordo secreto: o Pontífice reconhecerá a supremacia do Habsburgo na Itália coroando-o Imperador em Bolonha, em fevereiro do ano seguinte e em troca, Carlos V, favorecerá o retorno dos Medici em Florença.

O cerco de Florença

Assédio de Florença- Giorgio Vasari, Palazzo Vecchio

Assim, em 14 de outubro de 1529, as tropas de Carlos V e do Papa Clemente cercaram Florença. A República Florentina se preparou para a defesa: destruiu vilas, igrejas, conventos, vinhas, etc. Enfim tudo que estivesse fora dos muros da cidade e que pudesse servir de abrigo para os inimigos.

A República Florentina conferiu a Michelangelo a função de projetar as obras de defesa militar desenhando ao redor de San Miniato, um ponto estratégico. A população lutou tenazmente durante dez meses de cerco.

Fora das muralhas Francesco Ferruci liderava o exército florentino. Na Batalha de Gavinana, após horas de luta, as tropas de Ferruci estavam exaustas: muitos mortos e feridos, muitos desaparecidos, e finalmente aqueles que se renderam e foram feitos prisioneiros.

Ferruci continuou a lutar até o fim sem querer se render; finalmente, feito prisioneiro, foi levado à presença de Fabrizio Maramaldo, foi ferido e depois abandonado e morto pelos soldados inimigos.

Alessandro de’Medici, o Mouro

Dez dias depois, Florença se rendeu, e os Medici reentraram na cidade. Mas antes de abrir as portas da cidade, Florença conseguiu forçar Clemente a manter a República Florentina; o Pontífice mostrou-se muito magnânimo para com quem pegou em armas pela causa republicana. Clemente colocou seu sobrinho ilegítimo, Alessandro na frente do governo de Florença.

Alianças matrimoniais

No final de sua vida, Clemente VII deu mais uma vez indicações de uma inclinação para uma aliança francesa. Seus planos de aliar a Casa dos Medici com a família real francesa deram frutos no noivado da sobrinha Catarina de’Medici, com Henrique, filho do rei Francisco I. Em setembro de 1533, o papa partiu para a França para solenizar o casamento.

Mas o papa também não deixou de fazer uma aliança matrimonial com o Imperador Carlos V. Ele organizou o matrimônio de Alessandro de’Medici com Margarida, a filha do Imperador.

Henrique VIII da Inglaterra

O ano de 1533 marcou também um outro grande fracasso do pontificado de Clemente VII. Henrique VIII, rei da Inglaterra, perdeu a paciência devido à espera do Papa sobre seu divórcio com Catarina de Aragão: em um movimento sem precedentes, a igreja inglesa rompeu com Roma. Alguns príncipes alemães já haviam se separado de Roma, além da Suécia e alguns estados bálticos, mas agora o problema era diferente: pela primeira vez uma grande potência europeia declarou-se protestante.

Arte

Como um verdadeiro Medici e, portanto, um verdadeiro mecenas, Clemente protegeu escritores, incluindo Nicolau Maquiavel, e artistas como Cellini, Bandinelli, Sebastiano del Piombo, Rafael e Michelangelo, de quem encomendou o Juízo Final da Capela Sistina, pouco antes de sua morte.

Reformas religiosas

Clemente VII criou novos programas de reformas religiosas para combater o protestantismo, além de enviar novos missionários para o “Novo Mundo”, para difundir o cristianismo. Ele reconheceu a Ordem dos Capuchinhos e protegeu os Teatinos e os Barnabitas.

Morte

Logo ficou claro que Clemente VII estava à beira da morte. Os problemas de fígado aumentaram e sua pele estava amarelada. Além disso, tinha se tornado quase completamente cego.

Benvenuti Cellini, Medalhas do Papa Clemente VII

O escultor e ourives Benvenuti Cellini, descreveu uma de sua visita ao pontífice: «Ele estava de cama, a morrer, mas eu fui acolhido com muito carinho». O ourives havia trazido com ele algumas medalhas que havia desenhado para o papa, mas a visão de Clemente havia se deteriorado a tal ponto que ele não conseguia admirá-las.

“Então ele sentiu meu trabalho com a ponta de seus dedos, depois soltou um suspiro resignado”. Três dias depois, em 25 de setembro de 1534, o pontífice morreu após dez anos no trono papal. Cellini foi se despedir do Papa, descreveu o momento com estas palavras: “Eu beijei seus pés. Não consegui conter as lágrimas.”


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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