Hoje vamos conhecer uma das mais famosas histórias de amor da família Medici: a de Francesco e Bianca Cappello. Uma história repleta de mistérios, que ainda hoje a ciência não conseguiu decifrar.

Francesco era o filho primogênito de Cosimo I de’Medici e Eleonora de Toledo. Mesmo antes de contrair matrimônio com Giovanna da Áustria, ele tinha uma amante, a veneziana Bianca Cappello – que também era casada – e que tinh chegado à Florença há poucos anos.

Francesco e Giovanna

Giovanna da Austria e o filho Filippo

No Renascimento, o matrimônio era muito mais ligado aos interesses do Estado do que a uma bela história de amor. A dinastia dos Medicis, claro, não fugiu as regras de alianças consagradas de um vínculo matrimonial. Já vimos isso na união de Cosimo I e Eleonora de Toledo, que com o tempo se transformou em uma verdadeira história de amor. A mesma coisa não podemos dizer do matrimônio de Gian Gastone e Anna Maria Franciska ou ainda o de Francesco I e Giovanna da Áustria.

Giovanna, apesar da sua grande descendência, foi negligenciada pelo marido, que lhe impôs por anos a presença constante da sua favorita, Bianca Cappello.

Bianca morava, juntamente com seu marido na Piazza San Marco, onde provavelmente Francesco a viu pela primeira vez em 1563. Segundo a tradição, Bianca havia lançado uma rosa da janela quando Francesco passou. A beleza da jovem veneziana enfeitiçou e roubou o coração do jovem Medici, futuro grão-duque da Toscana. Assim inicia uma das mais famosas histórias de amor da potente família Medici.

Francesco e Bianca Cappello

As razões de Estado obrigou Francesco a esposar Giovanna da Áustria, mas sua relação com Bianca sobreviveu a este matrimônio. Segundo Giorgio Vasari, esse matrimônio foi muito celebrado em Florença, afinal o herdeiro do trono da Toscana esposava uma Habsburgo, filha de Fernando I do Sacro Império Romano-Germânico e Ana de Boêmia e Hungria. Giovanna também era a irmã mais nova do futuro imperador Massimiliano II. Para receber com segurança a corte durante a celebração desde casamento, foi construído o corredor Vasariano. Para dar as boas vindas a Giovanna, o pátio do Palazzo Vecchio foi todo decorado com vistas das cidades que faziam parte do Império Austríaco.

Giovanna percebeu a infidelidade do marido, mesmo porque, ele trouxe a amante para corte, como uma das damas de honor e a instalou num palácio próximo ao Palazzo Pitti. Giovanna tentou lutar para salvar seu matrimônio e pediu apoio ao sogro, Cosimo I. Após a morte do sogro, Giovanna direcionou as suas lamentações para seu irmão, o Imperador Massimiliano da Áustria. Em ambos os casos, ela não obteve sucesso.

Em 1572, Pietro Bonaventuri, marido de Bianca, morreu durante um duelo nos arredores da Ponte Santa Trinità. Naquela época, Francesco tinha três filhas (duas morrerão prematuramente) e em 1575 nasce Maria de’Medici, a futura rainha da França e finalmente o Filippo (1577), o futuro herdeiro do trono, que também não chegou à idade adulta.

Em 1578, um acontecimento que deixou o campo livre para Francesco e Bianca Cappello: Giovanna morreu com apenas 30 anos, provavelmente por causa de complicação do último parto, após uma terrível agonia para ela e para o filho que a obstetra não conseguiu fazer vir ao mundo.

O seu corpo, juntamente com o da criança, foi levado para San Lorenzo no dia 12 de abril.

Nas exumações feitas em 1857, não foi encontrado nenhum traço do corpo do menino. Recentes pesquisas, demonstraram que Giovanna era franzina e de baixa estatura e que possuía uma acentuada escoliose. Dentro da sua tumba foram encontrados somente ossos e um pequeno terço de madeira.

Do Funeral à Festa…

No dia 05 de junho do mesmo ano foi celebrado em segredo, na capela do Palazzo Vecchio, o matrimônio de Francesco e Bianca, que o grão-duque anunciou somente em outubro de 1579. Foram feitos vários torneios, justas e espetáculos. No dia 12 de outubro de 1579, Bianca é coroada grão-duquesa da Toscana na Capela do Palazzo Vecchio, na presença do embaixador Veneziano.

Além de Bianca, Francesco tinha uma outra grande paixão: a alquimia. No seu laboratório ele fazia diversas experiências, estudos e pesquisas favorecendo a produção de objetos de grande qualidade que enriquecia a coleção da família.

Francesco I nunca foi um grande homem político, como fora seu pai Cosimo, mas era muito curioso em relação a natureza e sempre tentou transformá-la em arte. Foi também um homem de grande cultura, fundador em 1583 da Accademia della Crusca, a fim de tutelar a língua toscana.

O seu amor por Bianca durou até a morte, que os uniu e que ainda hoje é motivo de muitas discussões e mistérios.

Francesco e Bianca Cappello

Francesco no seu laboratorio

Ano de 1586. Francesco e Bianca Cappello estavam na Villa de Poggio a Caiano, a mais amada por ela. Em setembro chega o Cardeal Ferdinando de’Medici, irmão de Francesco. Francesco tinha intenção de fazer as pazes com o irmão e esquecer os antigos rancores, já que Ferdinando não era de acordo com o matrimônio com Bianca.

Tudo estava tranquilo, até que chegou a notícia que o Grão-Duque Francesco estava doente, e em seguida Bianca também. No dia 19 de outubro Francesco se despediu desta vida, e Bianca o seguiu no dia seguinte.

A antipatia que o povo florentino nutria pelos dois, fez sim, que a morte do casal fosse elaborada em diversas versões. Segundo uma tradição, Bianca havia confeccionado com as suas mãos um doce o qual havia colocado um veneno. O cardeal Ferdinando, usava um anel especial que tinha uma grande virtude: na presença de comidas envenenadas, a pedra do anel mudava de cor. Era um convite para se afastar de tais guloseimas.

O Cardeal Ferdinando de’Medici

Quando Francesco, que desconhecia que o doce era envenenado, convidou o irmão Ferdinando para provar o doce, para dar o exemplo, comeu primeiro. Bianca, não querendo assumir suas responsabilidades, fez o mesmo e seguiu a sorte do marido.

Quando começaram as primeiras dores e eles foram transferidos para seus quartos, Ferdinando ordenou que ninguém se aproximasse dos quartos. Após a morte do casal, declarou que nenhum dos remédios fizeram efeitos.

Outra versão, diz que Bianca adoeceu após saber da morte do marido e que se recusou a tomar os remédios, preferindo o sono eterno.

Os dados históricos

Não é nenhuma novidade que o Cardeal Ferdinando odiava Bianca. Era 06 de outubro de 1586, dia de caça. Ao retornar da caça, Francesco reclamou que está muito cansado. No dia seguinte, segundo as crônicas, Francesco foi de carroça a Magia di Quarrata e no trajeto se lamentou muitas vezes de uma incômoda dor nos rins. Em seguida, sentindo a garganta seca pediu alguma coisa para beber.

Após o almoço do dia seguinte, sentiu dores violentas e vômitos e para dissimular a febre, começou a jogar com o conte di San Niccolò, seu hóspede. Os médicos diagnosticaram uma “terzana doppia” (febre intermitente com dois tipos de recorrências) e administraram dieta, purga e clister. Como último remédio foi ordenado uma sangria, mas nada abaixava a febre do grão-duque. Assim, Francisco tentou com a alquimia e quis beber o “Elisie Vitae” e xaropes fabricados no seu laboratório.

No dia 19, após uma pequena melhora, a situação degenerou e Francesco morreu. No quarto ao lado, Bianca também agonizava. A doença de Bianca parecia ser igual a de Francesco e ela foi piorando até morrer.

O Cardeal Ferdinando, que após a morte de Francesco deixou a vida religiosa para assumir o trono da Toscana, pediu que os médicos da corte fizessem autopsias nos corpos. O resultado, não poderia ser diferente, foi que a causa da morte não foi veneno. Francesco tinha uma grande inflamação no estômago e no fígado e o pulmão parecia ter uma condição muito crítica. O cadáver de Bianca tinha traços de muito sofrimento no fígado e no útero.

A tradição diz que Bianca não teve um funeral digno de uma grão-duquesa, enquanto o marido foi enterrado em San Lorenzo (hoje na cripta das Capelas Medicis, juntamente com Giovanna). Segundo Domenico Martinelli, um cronista florentino do século XVII, Bianca foi tumulada em uma igreja chamada Santa Maria a Bonistallo, perto da Villa de Poggio a Caiano, onde o casal faleceu.

Na verdade, após as autopsias feitas em idade moderna, foi descoberto que em Santa Maria a Bonistallo chegaram somente quatro vasos de terracota que conservavam as vísceras e os cérebros extraídos dos corpos de Francesco e Bianca para a embalsamação. Os vasos foram sepultados em um compartimento no centro da igreja. No final do século XIX, os vasos foram encontrados pelo prior de Bonistallo.

Nos exames feitos, foram encontrados a presença de arsênio tanto no corpo de Francesco como no de Bianca. Mas, os resultados das análises dos restos mortais do Grão-Duque, realizadas pela Divisão de Paleopatologia da Universidade de Pisa em colaboração com o Laboratório de Parasitologia da Universidade de Torino, revelaram a presença de Plasmodium falciparum (protozoário que causa a malária em humanos) em algumas amostras do osso esponjoso de Francesco I.

Qual foi a verdadeira causa da morte? Realmente foi um dose letal de arsenio a provocar a morte de Francesco e Bianca? Se a resposta for positiva, a pergunta seguinte é como eles foram envenenados? Culpa do Cardeal e irmão de Francesco, Ferdinando ou o casal se envenenou sozinho? É importante levar em consideração que Francesco amava transcorrer grande parte do seu tempo no seu estúdio a fazer experiências e, assim, é muito possível que algumas doses de venenos ele consumiu. Durante anos. Tudo é possível, mas não existem provas históricas que confirmem que Ferdinando foi o responsável pelas mortes de Francesco e Bianca Cappello.


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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