No artigo de hoje vamos conhecer um pouco da Madonna de Impruneta, protetora de Florença nos momentos mais difíceis da história da cidade.

Nos dias de emergência na Itália por causa do coronavírus, vimos pela televisão o Papa que andava pelas ruas de Roma em peregrinação nas principais igrejas, a Madonna de Loreto que sobrevoou a Itália, o crucifixo do século XVI que participou da missa histórica do Papa na Praça São Pedro vazia. Todos esses gestos de fé e de oração em momentos de extrema crise é comum na Itália desde da época medieval. E é nesse contexto que nasce a veneração da Madonna de Impruneta.

Impruneta

O Santuário da Madonna de Impruneta
O Santuário da Madonna de Impruneta

Impruneta é uma pequena cidade localizada na região do Chianti, famosa no mundo inteiro pela produção do vinho com o mesmo nome. Impruneta, no entanto é muito famosa também pela produção de vasos e objetos feitos de terracotta. A cidade cresceu em torno ao culto da Virgem Maria.

A cidade de Impruneta hospeda um museu muito importante: O Tesouro de Santa Maria de Impruneta. O museu, localizado próximo a basílica da cidade, hospeda em seus ambientes os presentes doados em agradecimento a Santa Imagem da Virgem Maria, que é ligada a uma antiga tradição da cidade.

A Madonna de Impruneta

A Imagem Sagrada da Madonna de Impruneta
A Imagem Sagrada da Madonna de Impruneta

A tradição narra que a Santa Imagem, foi pintada pelas mãos do Evangelista Lucas. É fato, que a imagem que vemos hoje, foi totalmente refeita em 1758 por Ignazio Hugford. Ainda segundo a tradição, a Santa Imagem foi trazida à Toscana por São Romulo, padroeiro de Fiesole.

Durante as perseguições cristãs, a Santa Imagem teria sido escondida in prunetis, daí o nome da cidade. Somente anos depois, decidiram construir um templo dedicado a Virgem, no Monte Sante Marie. O problema era que as paredes que eram construídas durante o dia, milagrosamente eram destruídas com o chegar da noite: quase como a declarar que aquele não era o local ideal para a construção da igreja.

Assim, decidiram confiar a escolha do local, utilizando uma técnica muito usada na Idade Média, o Juízo Divino, que consistia no seguinte: as pedras da construção eram colocadas em cima de uma carroça puxada por bois, sem condutor. Aonde os bois decidissem parar, ali seria o local ideal para a construção da igreja dedicada a Virgem Maria.

Segunda a tradição, os bois se ajoelharam exatamente onde hoje surge a Basílica de Santa Maria de Impruneta. Quando começaram a escavar para colocarem as bases da construção, aconteceu um milagre. Conforme a pá entrava na terra com mais vigor, ouviu-se uma “voz enfraquecida”, conforme conta a crônica do pároco Stefano Buondelmonti. Cavando mais fundo, foi encontrada a imagem sagrada da Virgem.

Baixo-relevo com a representação da descoberta da Sagrada Imagem. Museu do Tesouro, Impruneta.
Baixo-relevo com a representação da descoberta da Sagrada Imagem. Museu do Tesouro, Impruneta.

Se a crônica do pároco Stefano, de 1375 (cerca), é a primeira fonte escrita da tradição da imagem sagrada, há um baixo-relevo de mármore do século XV, que é sua primeira fonte figurativa. O baixo-relevo, decorava o antigo do altar da capela da Virgem, antes do Grão-Duque Cosimo III encomendar o pallioto muito rico que ainda decora o altar.

Detalhe do baixo-relevo. Século XV.
Detalhe do baixo-relevo. Século XV.

O baixo-relevo, atribuído a vários artistas famosos da Renascença, conta de maneira simples, mas com toques de admiração, o momento focal da descoberta da Imagem Sagrada.

A descoberta da Imagem Sagrada é uma história que certamente deriva da tradição oral e popular, mas como todas as tradições, tem sua própria veracidade e seu fundamento histórico. A conexão da imagem sagrada com São Rômulo, discípulo de São Pedro, significa datar o culto da Virgem de Impruneta aos primeiros dias da evangelização da Toscana.

Informações sobre a origem da igreja remontam apenas ao Século XI, com a evidência mais antiga representada pela placa de mármore – murada ao lado da porta da entrada da Basílica – datando a consagração em 3 de janeiro de 1060 pelo cardeal Umberto di Selva Candida.

O culto da Madonna de Impruneta em Florença

Em meados do século XIV, a crise econômica e a peste negra (1348) trouxe o culto da Madonna de Impruneta à Florença. “A peste, fome et bello libera nos Domine”. Esta era a invocação que acompanhava a Virgem de Impruneta durante suas transferências para Florença. A primeira procissão que levou a Madonna de Impruneta a Florença, dando origem a um relacionamento muito íntimo que se estabeleceu entre a cidade e a imagem, ocorreu em 1354, alguns anos depois da peste negra de 1348.

O historiador Matteo Villani, que havia perdido seu irmão Giovanni durante a peste, que nos conta em sua Crônica que a Madonna de Impruneta foi trazida devido à seca e esta procissão terminou com grande sucesso. De fato, foi nesse período, que a Basílica de Impruneta foi transformada em Santuário.

Assim, a partir da segunda metade do século XIV, a Madonna de Impruneta foi levada à Florença várias vezes para enfrentar guerras, assédios e invasões estrangeiras. Durante o período da República Florentina, o culto da Virgem de Impruneta foi muito intenso: a imagem foi transferida em 1502 durante a eleição do Gonfaloniere Tommaso Soderini e durante o assédio de Florença, quando foi proclamada «unica et particolare Regina».

Durante o período dos Medici, o carisma da Maddona de Impruneta foi ainda maior, pois eles se apropriaram do culto da Imagem Sagrada até que ela foi batizada de “Madonna di Famiglia“.

Entre 1354 e 1540, a Maddona de Impruneta foi levada à Florença cerca de 71 vezes – uma média de uma vez a cada dois anos e meio. Por 25 vezes, no mesmo período de tempo, as causas da transferência da Madonna de Impruneta à Florença foram de natureza meteorológica: a seca, mas também, a chuva excessiva e o terror das recorrentes cheias do rio Arno, das quais conhecemos a mais recente manifestação dramática, ocorrida em 4 de novembro de 1966.

A Madonna de Impruneta e os Medicis

Duas são as procissões mais importantes e às quais estão ligadas os objetos expostos no museu de Impruneta a de 1633 para erradicar a infecção da peste e a de 1711 promovido por Cosimo III para evitar o fim da dinastia Medici.

A procissão de 1633 ocorreu nos dias de 20 a 23 de maio, no período mais sombrio da peste. A imagem sagrada percorreu as ruas de Florença devastada pela epidemia, parando nas principais igrejas, coletando manifestações indescritíveis de entusiasmo popular e fervor. Como nos meses seguintes a intensidade da infecção diminuiu gradualmente até cessar completamente, a ponto de a cidade de Florença ter sido oficialmente declarada livre da peste em 17 de setembro do mesmo ano.

Assim, em 2 de outubro de 1633, uma grande procissão de agradecimento foi a Impruneta; Cristina di Lorena e Ferdinando II dos Medicis abriram a procissão, levando para à Madonna de Impruneta, presentes preciosos, atualmente conservados no museu.

Grande Príncipe Ferdinando dei Medici
Grande Príncipe Ferdinando dei Medici

A procissão de 1711 foi talvez ainda mais esplêndida e durou de 20 de maio a 3 de junho. As razões oficiais que levaram à chegada da Virgem de Impruneta em Florença foram as mesmas de sempre: a ameaça de guerra, o medo da peste, as safras ruins, a fome e a miséria que açoitavam a Toscana. Mas, nesse cenário sombrio, havia outra ameaça ainda mais séria: a provável extinção da dinastia Medici, por causa grave doença que afligia o grande príncipe Ferdinando, herdeiro do trono. O fim da dinastia dos Medicis, significava também, enfrentar a ganância política no tabuleiro de xadrez internacional e ainda o possível fim da independência da nação toscana.

Como em 1530, na época do assédio imperial, a Madonna de Impruneta voltou a ser invocada como salvadora da pátria, mesmo que a salvação de Florença seja identificada com a cura de um príncipe herdeiro. O historiador Giovanni Battista Cassotti, nos conta a chegada do tabernáculo com a imagem na Piazza Pitti. O tabernáculo foi colocado em um palco coberto com um precioso veludo em frente á janela do quarto do príncipe Ferdinando de’Medici que, sustentado pelo seu confessor, apareceu para ver a solene imagem da Virgem.

Podemos imaginar a alegria do povo florentino em rever o seu o príncipe herdeiro, mesmo que da janela. É muito fácil escutar o coro dos florentinos que aclamavam pela recuperação de Ferdinando e também o choro e a emoção de tantos outros que viam o herdeiro do trono, que não tinha nem 50 anos de idade, devastado pela doença.

A Madonna voltou a Impruneta depois de duas semanas cheias de presentes. O Grande Príncipe Ferdinando morreu em 30 de outubro de 1713, dois anos após a grande procissão, e o destino da família Medici iniciou a se apagar com ele. A cura do herdeiro do trono não havia ocorrido, a Madonna de Impruneta, naquela ocasião, não havia concedido a graça.

Embora o culto da Virgem tenha sido reduzido pela política secular dos Lorenas (os sucessores dos Medici no governo da Toscana), as procissões continuam até os dias atuais. Recentemente, a Madonna voltou a Florença duas vezes: por ocasião da última guerra e pelo ano mariano de 1988.


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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