Ferdinando foi o quarto filho de Cosimo I de’Medici e Eleonora de Toledo. Ele nasceu em 1549 e foi nomeado cardeal aos 14 anos de idade, pouco tempo depois da morte da sua mãe e dos irmãos Giovanni e Garzia.
Quando seu pai Cosimo I faleceu e seu irmão mais velho Francesco I subiu ao trono, Ferdinando tinha 25 anos de idade. Os dois irmãos tinham opiniões diferentes praticamente sobre tudo: bastava que um fizesse uma proposta, para o outro dar contra. Isso foi um dos motivos para eles vivessem longe um do outro. De fato, durante o reino de Francesco, que durou 13 anos, Ferdinando viveu de forma constante a Roma, onde possuía muita influência.
Apesar de ser cardeal, Ferdinando nunca fez os votos religiosos: era fogoso, independente e chefiava uma potente facção na cúria e não temia nenhum papa.
Em Roma Ferdinando se diferenciou em duas formas: demonstrou uma grande habilidade na administração dos negócios eclesiásticos e principalmente foi um grande colecionador de objetos de arte clássica.
Além da herança de obras antigas que ele recebeu da sua família, Ferdinando comprava todas as obras que podia. Certamente foi um dos grandes colecionadores de Roma da época. Ele mandou construir em Roma a célebre villa Medici, onde conservou uma infinidade de esculturas gregas e romanas, entre elas a famosa Vênus dos Médicis, encontrada na Vila Adriana de Tivoli, o grupo de Niobe e seus filhos, o Fauno Dançante, o Lutador, Arrotino, Apollino, bustos de imperadores e outros. Pouco a pouco essas obras foram transferidas para Florença e hoje decoram as salas e os corredores dos Uffizi.
Quando Franscesco I morreu, Ferdinando havia 38 anos de idade. Francesco não deixou herdeiros do sexo masculino e assim, Ferdinando renunciou seu título de cardeal juntamente com a grande possibilidade de ser eleito papa, para suceder ao irmão no trono da Toscana.
Ferdinando reinou na Toscana durante 22 anos e demonstrou ser um homem de caráter nobre além de conduzir uma vida exemplar. Ele foi superior a todos os grão-duques da Toscana, pois o seu caráter e conduta exemplar serviram para restabelecer o equilíbrio do grão-ducado.
Durante o seu reino Ferdinando I permaneceu fiel ao seu lema “Majestate Tantum”, o qual significava que seu governo seria justo e equilibrado e permitiria ao povo de reunir riquezas, como as abelhas, o mel. As suas várias reformas resgatou a Toscana do mal governo de Francesco I.
A política matrimonial
Quando subiu ao trono, Ferdinando começou a abandonar a política de alianças com a Espanha, iniciada com Cosimo I. Assim, ele começou a antiga tradição de amizade com a França. Ao contrário de Cosimo I e Francesco I, Ferdinando sempre manteve uma relação amigável com Catarina de’Medici, rainha da França. Logo, em 1587, Ferdinando acertou o contrato de matrimônio com Cristina de Lorena, neta de Catarina.
A realização do matrimônio teve que esperar um pouco, por causa da morte imprevista do duque de Lorena, pai de Cristina. Depois um outro imprevisto retardou o matrimônio: a saúde de Catarina não estava boa. Assim Cristina permaneceu com a avó até os últimos dias de vida. Catarina morreu em Janeiro de 1589 e em Março, finalmente Cristina partiu para a Toscana.
Na sua partida, Cristina foi acompanhada por um grande cortejo, do qual participou seu tio e rei Henrique III. Em Marselha, a princesa francesa embarcou na sua frota, que a esperava durante meses no porto para partir para a Itália. Em 30 de abril de 1589, Cristina de Lorena chegou em Florença.
Cristina de Lorena
Cristina de Lorena era filha do duque Carlos III de Lorena e Claudia da França (ou Claudia de Valois, filha de Catarina dos Médici), que morreu muito jovem. Assim Cristina encontrou em sua avó Catarina, a rainha-mãe, que gostava muito dela, um apoio para sua educação e seu futuro. De fato, além de deixar uma grande parte da sua herança para neta, Catarina educou a neta após a morte prematura de Cláudia e participou ativamente das negociações para seu casamento com Ferdinando I.
Cristina di Lorena não era bonita, mas capaz de cativar qualquer pessoa: o retrato, pintado por Scipione Pulzone em 1590, representa seu olhar elegante, direto e penetrante. Culta, refinada, religiosa, mas também animada por uma paixão pela ciência. Ela foi muito amiga de Galileu.
O matrimônio de Ferdinando e Cristina de Lorena
Após diversas negociações políticas e internacionais, Ferdinando esposou a distante parente Cristina de Lorena, com a qual teve 09 filhos. A cidade de Florença, sofreu uma verdadeira metamorfose durante a celebração deste matrimônio. Espetáculos, peças teatrais, banquetes e até uma naumaquia (batalha naval) aconteceram no pátio do Palazzo Pitti.
As comemorações do matrimônio de Ferdinando e Cristina inciaram no dia da chegada da noiva, em 30 de abril e só foram finalizadas no dia 24 de junho, dia de São João e Patrono de Florença.
A longa elaboração da transformação da cidade para acolher a nova Grão-duquesa durou cerca de sete meses. Ferdinando havia imposto ao cavaleiro Niccolò Gadi de se virar e “encontrar invenções de arcos triunfais, maravilhosos espetáculos e decorações”.
O fio temático do programa ornamental era a ostentação da supremacia de Florença e da Toscana no cenário político e diplomático da época. O programa decorativo deveria ser a apoteose do Príncipe Guerreiro, na pessoa de Ferdinando I, defensor da fé Cristã contra os turcos, no palco cênico da política europeia. Por isso a necessidade de adotar uma linguagem figurativa capaz de exprimir visualmente e de forma alegórica o triunfo do Príncipe Mediceo.
Para relembrar os principais momentos, o Grão-Duque mandou fazer um verdadeiro álbum de matrimônio e mandou os principais artistas da corte desenharem as decorações feitas nas ruas e nos monumentos da cidade.
Quando Cristina de Lorena chegou em Florença, ela e o seu cortejo entraram na cidade pela Porta al Prato. E a Porta foi toda decorada, conforme vemos no desenho feito por Orazio Scarabelli. A decoração da porta foi feita pelos principais artistas da época: Alessandro Allori, Santi di Tito ou Giovan Anton Dosio, Jacopo da Empoli, Cigoli, Giambologna, Pietro Francavilla, entre outros.
Nas fotos abaixo vemos Porta Al Prato hoje, em um desenho do século XIX (antes das muralha da cidade ser abatida) e o desenho feito por Orazio Scarabelli com a decoração de boas-vindas a Cristina de Lorena.
Cristina foi para Ferdinando uma esposa excelente. Ela sobreviveu 27 anos ao marido e 16 anos ao filho Cosimo II. Foi nomeado por Cosimo II, regente da Toscana durante a menor idade do neto, Ferdinando II. Desta forma, Cristina de Lorena ficou no auge da sociedade florentina por 50 anos, durante três reinos: do marido, do filho e do neto. Vovó Catarina com certeza ficaria orgulhosa da sua neta.
As obras públicas
Ferdinando parecia se preocupar realmente com o bem estar do seu povo. A sua primeira intervenção pública foi a crianção de um hospital para convalescentes na Piazza Santa Maria Novella.
Fundado no início do século XIII, foi inicialmente um hospício de peregrinos e em 1345 também se tornou um hospital. Sob o Grão-Duque Ferdinando I, há uma novidade importante no campo assistencial, que dá a Florença uma nova primazia: o antigo hospital de São Paulo foi transformado em um “Hospital de convalescentes”, isto é, para quem tinha alta nos hospitais florentinos.
Um hospital que, entre outras coisas, possuía um jardim ensolarado onde os convalescentes podiam passar algumas horas recreativas. A novidade consiste no fato de que, até então, os enfermos tinham alta de forma abrupta e voltavam para suas casas debilitados, correndo o risco de recaídas; no novo Hospital de São Paulo, eles eram mantidos por uma média de quatro a oito dias e recebiam uma refeição hipercalórica em um ambiente confortável, assistidos por enfermeiras antes de receberem a alta definitiva.
Em 1780 o hospital foi transformado por Pietro Leopoldo em uma escola e atualmente é sede do Museu Novecentos, com exposição de obras contemporâneas.
Uma outra obra pública importante foi mandar secar o vale pantanoso de Chiana nos arredores de Arezzo e inicia a beneficiação das planícies de Pisa, Fucecchio e da Valdinievole.
O Forte Belvedere
O Forte di San Giorgio, mais conhecido como Forte di Belvedere é uma das duas fortalezas de Florença. A transferência definitiva da corte dos Medicis para o Palazzo Pitti durante o Grão-Ducado de Ferdinando I, foi com certeza crucial para decisão da realização do forte em 1590. A construção foi feita de acordo com o projeto de Bernardo Buontalenti.
Além de defender a cidade de possíveis ataques externos, o Forte em caso de perigo, podia ser alcançado facilmente pelos Medicis, através dos Jardins de Boboli.
No interior do Forte fica a elegante Palazzina di Belvedere, que já existia antes da construção do Forte, e provavelmente foi desenhada por Bartolomeo Ammannati (o escultor da Fonte de Netuno da Piazza della Signoria) por volta de 1570.
A Palazzina tornou-se uma espécie de cofre dos Medici, cujos pertences eram guardados no fundo de um poço dentro da construção: qualquer pessoa que tentasse forçar a fechadura teria acionado alguma armadilha e permaneceria perfurada.
Hoje é o lar de grandes exposições e eventos culturais, bem como um dos pontos de onde se pode desfrutar de uma das mais belas vistas de Florença.
O porto de Livorno
A obra mais grandiosa de Ferdinando foi a fundação de Livorno. Podemos dizer que foi ele quem criou as medidas especiais que transformou o porto de Livorno em um grande sucesso. Seu pai, Cosimo I, havia iniciado a transformação do vilarejo de pescadores em um porto importante, mas ele não teve tempo de finalizar o projeto.
Em 19 de março de 1606, Livorno ganhou o título de cidade. No final do Século XVI, o Grão-Duque Ferdinando I de’Medici deu o passo decisivo para o desenvolvimento de Livorno e do seu porto, seguindo o plano urbanístico do arquiteto Bernardo Buontalenti e predispondo as chamadas Leis Livorninas, favorecendo assim o povoamento do centro.
O projeto de ampliar Livorno utilizando os serviços de Buontalenti tinha sido concebido inicialmente pelo seu irmão e antecessor Francesco I, morto em 1587, mas o projeto foi colocado em prática somente com Ferdinando I. Enquanto a cidade crescia, o número de cidadãos multiplicou e chegou a cerca de 5.000 pessoas em 1609.
Ferdinando publicou uma lei a qual deu o nome de “Livornina”, que decretava que o novo porto era administrado com mais tolerância, transformando-o assim em um grande refúgio para os perseguidos de todas as religiões e nacionalidades. Protestantes que fugiam da França e da Espanha, católicos que fugiam da Inglaterra, judeus que eram perseguidos em todos os países, foram acolhidos em Livorno, onde encontraram um local seguro. Assim, o porto de Livorno prosperou imediatamente, e antes do final do reino de Ferdinando, era o segundo porto mais importante da Itália, ficando atrás somente de Gênova.
Entre os novos livorneses figurava uma grande comunidade de judeus, atraídos pela possibilidade de exercitar livremente o seu culto e comércio sem serem confinados nos chamados guetos. A maior parte dos judeus eram sefarditas que tinham sido expulsos da península Ibérica. Assim, tinha chegado a hora de elevar o status de Livorno, que até aquele momento tinha o título de “Terra Murata”.
Dessa forma, no dia 16 de março de 1606 (1605 segundo o calendário florentino que fixava o início do ano em 25 de março), Livorno recebeu o título de cidade. A cerimônia iniciou pela manhã na igreja da Fortezza Vecchia, com o estabelecimento do novo Gonfaloneiro Bernardo Borromei, médico originário de San Miniato.
A Expedição Thornton
Depois de fortalecer a propensão marítima da Toscana com a construção do porto de Livorno, Ferdinando I de’Medici embarcou em uma aventura colonial. Em 1608, o grão-duque encomendou a um corsário inglês chamado Robert Thornton a identificação de um território no Brasil para o estabelecimento de uma colônia toscana. O objetivo de Ferdinando era fundar uma colônia na América do Sul para o comércio de madeira.
No dia 8 de setembro de 1608 o galeão Santa Lucia Buonaventura e uma tartana (embarcação pequena de um só mastro e vela), comandada por Giles Thornton (irmão de Robert) partiram do porto de Livorno para a América do Sul.
Thornton e Robert Dudley exploraram a costa atlântica da América do Sul por um ano e identificaram na área de Caiena, hoje Guiana Francesa, o lugar ideal para o estabelecimento da colônia toscana. Em 1609 tudo parecia pronto para fundar a Nova Toscana.
Mas não foi assim. A colônia nunca nasceu. A morte repentina do grão-duque bloqueou o projeto. O sucessor Cosimo II de ‘Medici não conseguiu ou não teve interesse de levar em frente os planos do seu pai. O inglês morreu em Livorno em 1609, logo após o fim da missão na América do Sul.
Assim terminou, infelizmente, a única tentativa colonial de um estado italiano. Uma aventura que poderia ter marcado de forma diferente a história do Grão-Ducado da Toscana e da Itália.
A Capela dos Príncipes
A obra mais importante que Ferdinando fez em Florença foi a construção da Capela dos Príncipes. A colocação da primeira pedra foi feita no dia 06 de Abril de 1604 com a presença do Grão-duque e da sua corte. Ferdinando deu uma pá de ouro para o filho Cosimo II fazer a primeira escavação no local onde seria construído o mausoléu. Após a cerimônia o Grão-Duque disse em bom som: “Qui finiremo tutti!”
A construção deste imenso mausoléu deveria ter uma decoração magnífica. Assim, o Grão-duque Ferdinando I, fundou o Opificio delle Pietre Dure, para decorar toda a capela com o chamado commesso fiorentino, conhecido também como mosaico fiorentino.
As estátuas Equestres
Ferdinando I encomendou a Giambologna a estátua equestre do seu pai Cosimo I, que hoje vemos na Piazza della Signoria. Mais tarde, Ferdinando encarregou Giambologna de realizar uma nova estátua equestre, mas desta vez com a sua representação, a qual foi colocada na Piazza Santissima Annunziata.
Essa escultura é muito interessante não somente por ter sido celebrada na poesia “La statua e il busto” do escritor inglês Robert Browning, mas também por ter sido realizada com o bronze dos canhões dos turcos que foram sequestrados durante as vitórias navais de Ferdinando. No pedestal da escultura vemos o símbolo de Ferdinando, um enxame de abelhas com o lema “Majestate Tantum”.
Quase que a escultura foi para Paris, pois Maria de’Medici, desejava doar a cidade uma escultura equestre do marido Henrique IV para ser colocada na Ponte Nova. Assim, Maria pediu ao tio Ferdinando para que Giambologna realizasse a obra. Como na época Giambologna já estava idoso, Maria pediu, assim, que o tio enviasse o cavalo de bronze que já estava pronto para a França – aquele com Ferdinando! Felizmente, Ferdinando não atendeu os pedidos da sobrinha – uffa!!!!
Ferdinando limitou-se, portanto, a sugerir que o molde que serviu para a fusão do seu cavalo, servisse também para realizar aquele desejado por Maria. E assim foi feito, mas com a morte de Giambologna, foram necessários nove anos para que a escultura fosse realizada por Pietro Tacca, aluno do grande mestre.
A obra foi transportada até Livorno e por mar seguiu até Le Havre e de lá para Paris. O transporte foi muito difícil, e em Le Havre, a escultura chegou a cair no mar, mas depois foi recuperada.
No interior do cavalo de Paris, que era exatamente igual aquele de Florença, foi colocada um inscrição a qual dizia que Ferdinando, grão-duque da Toscana, fez Giambologna realizar a estátua, a qual foi finalizada por Pietro Tacca, como uma homenagem afetuosa a Henrique IV. O cavalo que vemos hoje em Paris é uma cópia daquele realizado em Florença, pois o original foi destruído durante a Revolução Francesa.
Os filhos de Ferdinando I
Ferdinando e Cristina de Lorena tiveram nove filhos: Cosimo, o sucessor, Francesco, Carlo, Lorenzo, Filippo, Eleonora, Catarina; Maddalena e Claudia. Quando Ferdinando morreu, os filhos ainda eram muito jovens: Cosimo, o mais velho havia 19 anos e Claudia, a filha menor, apenas cinco anos de idade.
O matrimônio de Cosimo II
Os últimos meses de vida de Ferdinando foi realizar o matrimônio do filho primogênito Cosimo. Ferdinando havia estabelecido que o filho deveria esposar Maria Maddalena, filha do arquiduque Carlos da Áustria. O matrimônio foi celebrado em Junho de 1608. Maria Maddalena da Áustria, recebeu a coroa grã-ducal da Toscana das mãos do sogro Ferdinando.
Morte de Ferdinando
Este evento sinalizou o término da vida de Ferdinando, o qual morreu em 07 de Fevereiro de 1609, com a idade de 60 anos. Ele deixou a família e o grão-ducado da Toscana em uma situação muito próspera. Seu funeral foi feito com muita pompa. Inicialmente ele foi sepultado na Sacristia Nova de Michelangelo a espera que o mausoléu, iniciado por ele, ficasse pronto.
O reinado de Ferdinando I é o “Canto do Cisne” da família Medici e vai deixar saudades. O terceiro grão-duque da Toscana tinha alguma das qualidades que fizeram a diferença: talento político e grande amor pela arte. Depois dele, o declínio dos Medici será implacável – tanto a nível financeiro, político e moral, que coincide com o de Florença, que não viverá mais os anos dourados dos tempos de Cosimo o Velho e Lorenzo o Magnífico.
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