Piero não recebeu da história a notoriedade que merecia. Em geral os historiadores não lhe dão grandes créditos, ou simplesmente se limitam a recordar com poucas frases as suas enfermidades físicas. Desde de criança, ele sofria de gota, tanto que recebeu muito cedo, o apelido de “Gotoso”, com o qual foi sempre conhecido.

Piero o Gotoso

A sua saúde sempre lhe criou muitos obstáculos durante a vida, incapacitando-o por longos períodos de ter uma parte ativa na vida pública, dedicando-se assim aos estudos e a cultura.

Enquanto isso, seu irmão mais novo, Giovanni, assumiu todas as funções do filho primogênito, assumindo assim a posição de filho predileto de Cosimo o Velho e considerado por todos como o natural sucessor do pai.

Piero casou em 1444 com Lucrezia Tornabuoni, uma mulher culta, a qual dedicaremos o próximo artigo. Deste matrimônio nasceram Lorenzo o Magnífico, Giuliano e três mulheres: Lucrezia, Bianca e Maria.

Durante trinta anos Piero suportou a predileção do irmão mais novo,  nunca demonstrou o mínimo ressentimento contra o irmão e nem contra seu pai. Giovanni morreu precocemente, um ano antes da morte do seu pai, Cosimo o Velho.

Giovanni, irmão de Piero – Mino da Fiesole, Museu do Bargello

Após a morte de Giovanni, vendo que a vida delicada do filho poderia terminar a qualquer momento, Cosimo iniciou a instruir o máximo possível o neto Lorenzo, o Magnífico nos assuntos políticos da família. Apesar de haver somente 14 anos, Lorenzo já demonstrava uma capacidade superior a sua idade. De fato, Piero sempre se preocupou muito com a educação dos seus filhos. O tutor de Lorenzo o Magnifico foi Marsilio Ficino, o célebre líder da Academia Neoplatônica, tanto amada pelos Medici.

Após a morte de seu pai, Piero com 48 anos de idade assumiu a chefia da família e governou Florença por apenas cinco anos (1464-1469). Mesmo com um governo curto, Piero mudou o destino da cidade, protegendo-a de inimigos externos e fazendo seu ambiente cultural prosperar.

Apesar de ser refém da sua doença, e muitas vezes trabalhava no seu leito, Piero nunca demonstrou ser uma pessoa colérica ou de mal humor. Na verdade, uma das suas características é odiar discussões.

Piero, um grande mecenas

Os cincos anos de governo de Piero o Gotoso foram muito interessantes, principalmente para a arte. Homem culto, colecionador de manuscritos raros.

Neste período, o intelectualismo foi ainda mais acentuado e as encomendas de obras públicas diminuíram, enquanto as coleções de objetos preciosos e antigos obtiveram maior sucesso, procurados tanto pelo seu valor intrínseco como pela sua raridade a demonstrar prestígio social.

Detalhe do afresco da Cavalgada do Magos – Piero com o cavalo branco e Cosimo, seu pai com a mula – Capela Medici, Palazzo Medici – Benozzo Gozzoli.

Piero de ‘Medici levava uma vida inspirada nos costumes das cortes aristocráticas refinadas, assim como toda a aristocracia da cidade. Os afrescos da Capela dos Magos de Benozzo Gozzoli, no Palazzo Medici, retratam a procissão dos Magos personificados por membros da família Medici e outros aristocratas florentinos, são um claro testemunho disso.

O seu filho Lorenzo teria aproveitado esta preciosa herança, tornando-se “o Magnífico” admirado e festejado por todos nós. Piero foi o patrono da Academia Platônica e trabalhou com grandes artistas como Donatello e Andrea del Verrocchio.

Pouco depois de ser nomeado chefe da família, Piero começou a encomendar obras a um jovem pintor de apenas 20 anos chamado Sandro Botticelli. Hoje o mundo moderno, que tanto ama as obras de Botticelli, possui um débito enorme com Piero o Gotoso.

Tanto Piero, quanto sua esposa Lucrezia Tornabuoni, tiveram grandes influências nas obras de Botticelli no período que o pintor havia entre 20 e 25 anos de idade. Piero o Gotoso, seguiu também a realização dos afrescos da Cavalgada dos Reis Magos da capela do Palazzo Medici de Benozzo Gozzoli.

Piero e o brasão dos Medici

Brasão da Família Medici – Palazzo Vecchio

Passeando pelas ruas Florentinas, você verá por toda parte o brasão dos Medici, símbolo de força e poder da família florentina. O brasão é formado por esferas vermelhas no fundo dourado. O número de esferas pode variar de acordo com cada membro.

A partir de 1465 foi incluída no brasão, uma esfera azul com lírios dourados. Trata-se do símbolo real da França.

Esta grande honra, foi concedida em 1465 por Luís XI, rei da França à Piero o Gotoso e seus descendentes. Tal evento, é uma das provas de estima que Piero conseguiu no cenário internacional daquela época.

Vida política

Naquela época o Governo de Florença era formado pela Signoria (os priores das guildas mais importantes) + o Gonfalone de justiça. Piero não fazia parte deste corpo governativo e por teoria não tinha nenhum cargo público. Porém desde do tempo de Cosimo o Velho, todas as medidas antes de serem votadas pela Signoria deveriam ter aprovação da família Medici. Assim, o chefe da família, apesar de teoricamente ser uma simples cidadão, exercitava na prática o governo da cidade, sob o qual havia autoridade absoluta.

Mas para manter essa autoridade, os Medici precisavam provar todos os dias que possuíam habilidades superiores aos outros cidadãoes, além de ter sempre o apoio da população. Sem popularidade, nada era possível.

A Conspiração Pitti

Alguns nobres que tinham ciúmes e inveja da posição dos Medici, viram na fragilidade da saúde de Piero e na juventude de Lorenzo, uma oportunidade para se livrar da família. Eles sabiam que com a grande popularidade dos Medici entre o povo, era inútil provocar um processo e assim, o exílio.

Luca Pitti em frente ao Palazzo Pitti, na época sua propriedade.

O movimento liderado por Luca Pitti e seus aliados Agnolo Acciaiuoli, Niccolò Soderini e Diotsalvi Neroni que foi o conselheiro de confiança de Cosimo o Velho, deram o vida em 1466, a Conspiração Pitti. Piero com certeza, sabia que alguma coisa estava sendo tramada, mas por causa da sua antipatia pelas intrigas e discussões, preferiu ignorar. Ele sabia que Luca Pitti era um homem vaidoso, mas que era também incapaz.

Em Agosto de 1466, Luca Pitti e seus aliados reuniram as suas tropas nos arredores de Florença. A intenção era assassinar Piero que estava gravemente doente na Villa de Careggi. De Ferrara, partira um outro exército para ajudar os conspiradores.

Naquela manhã, Piero tinha sido avisado da conspiração e assim precisava retornar com urgência à Florença. Mesmo acamado, Piero decidiu retornar ao Palazzo Medici, deitado em uma maca. Foi então que o jovem Lorenzo, que tinha apenas 17 anos, deu a prova de ter uma grande frieza e controle em tempos de necessidade, além de uma mente cheia de recursos, para salvar a vida de seu pai. Lorenzo, cavalgou na frente dos guardas do seu pai e percebeu que na estrada tinham homens armados escondidos. Assim, com muita destreza, Lorenzo conseguiu distrair os inimigos e mandou avisar os guardas de Piero, para fazer uma outra estrada. Desse modo, Piero chegou são e salvo em Florença.

Ao chegar ao Palazzo Medici, ele mandou reunir as suas tropas, além de pedir ajuda ao exército de Milão, que se encontrava por acaso nos arredores da Toscana. E assim, a Conspiração Pitti faliu.

A Signoria de Florença, aprovou imediatamente a sentença de morte dos conspiradores. Nesta ocasião, Piero demostrou toda a nobreza do seu caráter: ele se opôs a condenação de mortes dos conspiradores, preferindo que eles fossem exiliados.

Piero generosamente, perdôou Luca Pitti, que continuou na cidade. Desse modo, o Gotoso conseguiu sufocar de forma formidável uma rebelião armada sem derramamento de sangue. Palavras de Lorenzo o Magnifico: “somente quem sabe conquistar, saber perdoar”. Depois deste episódio, a popularidade dos Medici cresceu sempre mais.

A morte de Piero o Gotoso

Tumba dos irmãos Giovanni e Piero o Gotoso – Basilica de San Lorenzo, Andrea del Verrocchio

Piero o Gotoso morreu em 2 de dezembro de 1469, carinhosamente assistido por sua esposa e filhos. Foi enterrado na Sacristia Velha da Igreja de San Lorenzo na mesma tumba de seu irmão Giovanni, realizada por Verrocchio, mestre de Leonardo da Vinci.


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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