No número 4 da rua Farini, próxima a Piazza d’Azeglio é localizado o Tempio Maggiore Israelitico, conhecido como a Sinagoga de Florença. Com sua grande cúpula de cobre verde e seu exótico estilo mourisco, tão diferente típico renascentista da cidade, a Sinagoga se destaca no horizonte florentino como um monumento visível de qualquer ponto de vista.

Era importante que os judeus florentinos fossem representados por um edifício projetado em um estilo completamente diferente pois demonstrava que eles eram diferentes na cultura e tradição, mas iguais aos outros cidadães em direitos e deveres.

A Sinagoga de Florença é uma das mais bonitas da Itália, se levarmos em conta a arquitetura e a riqueza da sua decoração. A sua construção coincide com os anos da destruição do gueto, localizado na atual Piazza della Reppublica. O gueto florentino foi construído em 1571, por ordens de Cosimo I dos Medicis.

David Levi -Museu Judaico de Florença
David Levi -Museu Judaico de Florença

Em 1868, por iniciativa de David Levi, presidente da comunidade judaica da época e um importante agente de câmbio sem herdeiros, deixou em testamento a cifra necessária para a construção do Tempio Maggiore. As obras foram iniciadas em 1872, sob o projeto do arquiteto Marco Treves, Vincenzo Micheli e Mariano Falcini.

Marco Treves, era o único arquiteto judeu do grupo e era muito famoso na França, onde tinha trabalhado por muito tempo. Em Florença Treves não era muito conhecido e provavelmente foi por esse motivo que decidiram que ele deveria trabalhar com outros dois arquitetos mais experientes.

A majestosa e refinada construção em estilo mourisco, muito difundida naquela época na Europa nos edifícios de cultos judaicos, foi inaugurada no dia 24 de outubro de 1882. Foi um momento de grande alegria para a comunidade judaica, mas também para toda a cidade de Florença.

A Sinagoga vista do matroneo

O edifício lembra a arquitetura mourisca – nos arcos de acesso, nas janelas da fachada e nas decorações das torres laterais. Oriental também é a bicromia do travertino sienês de Colle Val d’Elsa e o pomato rosa de Assis que lembra as cores de Jerusalém.

Ao lado da sinagoga tem também o Museu Judaico que percorre a história da comunidade além de possuir um grande acervo de preciosos objetos sacros.

O jardim da sinogoga

Quando a sinagoga foi inaugurada em 1882, o jardim queria sugerir uma atmosfera exótica para o visitante, coerente com o estilo do edifício: havia caminhos cercados por plantas, agaves, palmeiras e outras espécies orientais. Hoje, entre as plantas, está a árvore de romã, símbolo de abundância e fertilidade para os judeus.

Lápides em homenagem aos judeus deportados de Florença. Sinagoga de Florença.
Lápides em homenagem aos judeus deportados de Florença. Sinagoga de Florença.

No jardim da sinagoga, na parede esquerda, existem duas grandes lápides que lembram os judeus deportados de Florença e mortos nos campos de concentração nazistas. Entre os nomes, o primeiro é o do rabino-chefe Nàthan Cassùto, preso após a denúncia de um espião fascista.

Uma terceira e menor lápide lembra alguns judeus florentinos assassinados no ataque de 1948 ao comboio médico que se dirigia ao hospital de Hadassà, na véspera do nascimento de Israel. Entre eles, Anna Di Gioacchino, esposa do rabino-chefe Cassùto, que sobreviveu aos campos e foi a Israel para se juntar aos filhos e começar uma nova vida.

Sinagoga de Florença

Mezuzà na Sinagoga de Florença
Mezuzà na Sinagoga de Florença

Na entrada da sinagoga podemos observar a mezuzà, um objeto que consiste em um pergaminho fechado em uma pequena caixa. Fica pendurado no batente da porta direita em todos os cômodos habitados da casa judaica. No pergaminho, são escritas à mão as duas primeiras passagens do Shemà Israelè, o ato de fé do povo judeu em um Deus único. O pergaminho deve ser verificado periodicamente e, se danificado, deve ser reintegrado nas peças danificadas ou substituídas, enterrando o que não é mais utilizável. Os judeus costumam beijar a mezuzá todas as vezes que passa por ela, para lembrar as orações que estão alí contidas.

O interior da sinagoga, de acordo com o exterior, apresenta um estilo eclético de gosto mourisco, como o piso do átrio de mosaicos venezianos em formas de arabesco.

Lápides dos antigos oratórios localizados no gueto judaico de Florença.
Lápides dos antigos oratórios localizados no gueto judaico de Florença.

Ao longo do mezanino que liga o primeiro e o segundo andar do Museu, existem algumas lápides de mármore vindas de dois oratórios da Via delle Oche (agora não mais presentes): o rito italiano e o da confraria Mattìr Assurìm.

A presença desses dois locais de culto no centro histórico foi necessária após o abandono do gueto e a construção do novo templo principal no bairro mais descentralizado de Mattonaia.

As melhores oficinas de artesanato local do século XIX foram envolvidas na construção do mobiliário da sinagoga. As lâmpadas de estilo mourisco localizadas nas laterais da abside foram executadas pelo ourives Giuseppe Geràrdi, que ainda hoje possui uma oficina na Ponte Vecchio. Os móveis de madeira da sinagoga foram realizados pelos mais renomados marceneiros da cidade e seguem um design neo renascentista, em contraste com o estilo mourisco.

Detalhe do interior da sinagoga com o pulpito - Sinagoga de Florença
Detalhe do interior da sinagoga com o pulpito

Entre os elementos de destaque da sinagoga, certamente podemos citar o púlpito de madeira, em correspondência com o último pilar esquerdo da nave central. Um exemplo da influência cristã no estilo da sinagoga.

Cadeiras do Matroneo - Sinagoga de Florença
Cadeiras do Matroneo – Sinagoga de Florença

O matroneo, uma seção feminina da sinagoga, é decorada com poltronas de veludo azul restauradas graças a uma doação da família Ferragamo. A galeria das mulheres é separada por portões de ferro forjado, decorados com luminárias em forma de candelabro de sete braços, a menorà.

A menorà é a lâmpada de sete braços retratada também no brasão de armas de Israel que nos tempos antigos iluminava o templo de Jerusalém e que foi levada como espólio para Roma após a destruição do Templo.

Menorá, Sinagoga de Florença
Menorá, Sinagoga de Florença

A lâmpada do Templo de Jerusalém é descrita em detalhes no Pentateuco e consiste em braços retos que se afastaram radialmente do pedestal. Ainda hoje, a menorá, apesar de reproduzida, não é exatamente como a original, mas assume a forma curvilínea de derivação romana. A menorà é símbolo de sabedoria e iluminação e os seus sete braços foram interpretados como o símbolo da criação, que de fato levou sete dias para ser realizado. A lâmpada central simbolizaria o sábado.

As paredes interiores da sinagoga, pintadas por Giovanni Panti, um decorador muito famoso da segunda metade do século XIX, foram feitas com cores e padrões exóticos. Como por exemplo o amarelo dourado que infelizmente foi oxidado ao longo do tempo. Inicialmente o revestimento das paredes foi concebido em folha de ouro e depois alterado porque era muito caro.

Aròn HaKòdesh - Sinagoga de Florença
Aròn HaKòdesh – Sinagoga de Florença

Acima do armário ou Aròn HaKòdesh, que abriga os rolos da Torá, no fundo do templo, estão representadas as tábuas da lei. Durante os recentes trabalhos de restauração da sinagoga,foram encontradas as assinaturas dos vários artesãos que restauraram o armário entre o final do século XIX e meados do século XX: Giovanni Panti, o criador das decorações nas paredes, estava entre os primeiros signatários.

O Museu Judaico de Florença

O Museu Judaico, foi encomendado pelo Rabino Fernando Belgrado e está localizado dentro do edifício do templo. É o lar de objetos preciosos de culto das duas antigas sinagogas do gueto. Outros objetos vieram das comunidades extintas de Arezzo, Lippiàno e Monte San Savino ou de doações de famílias florentinas.

Modelo de gesso da Coluna de Fogo - Sinagoga de Florença
Modelo de gesso da Coluna de Fogo – Sinagoga de Florença

Ao pé da escada que leva ao primeiro andar do Museu Judaico está o modelo de gesso do monumento aos deportados, colocado em uma floresta perto de Jerusalém. A obra, Colunas de Fogo, foi feita em bronze pelo artista polonês Nàthan Ràpoport. Consiste em dois cilindros de bronze unidos e mostra relevos com personagens e contos da história judaica antiga e moderna.

O Abecedário de Moisè Tedeschi - Museu Judaico de Florença
O Abecedário de Moisè Tedeschi – Museu Judaico de Florença

O Museu preserva um abecedário e silabário que remonta ao início do século XIX. O mundo judaico italiano sempre foi sensível a uma educação aberta a todos os níveis sociais. Moisé Tedeschi, rabino e educador, escreveu esse livro como uma ferramenta educacional com o objetivo de familiarizar as crianças com as letras e palavras da língua hebraica.

Torá danificada pela inundação do rio Arno em 1966 - Museu Judaico Florença
Torá danificada pela inundação do rio Arno em 1966 – Museu Judaico Florença

A Torá mostrada no museu remonta ao final do século XVIII e não é mais utilizável devido aos danos sofridos pela enchente de 1966. Segundo a lei judaica, os rolos da Torá só podem ser utilizados para liturgia se estiverem perfeitamente intactos.

Torá - Museu Judaico de Florença
Torá – Museu Judaico de Florença

A Torà é cercada por objetos que a adornam e que são usados para leitura. A Torá exposta comemora a perda de Luciano Camerino; Ao sobreviver aos campos de concentração nazistas, ele saiu de Roma após a inundação do rio Arno em 1966 para ajudar os judeus florentinos e morreu de ataque cardíaco ao ver a devastação provocada pelo dilúvio na sinagoga. Histórias e memórias da comunidade florentina

A Torá com todos os seus ornamentos, a partir da capa de ùngaro da primeira metade do século XVIII, parece muito moderna em seu estilo geométrico. No topo, a Torá é fechada é adornada com um atarà, ou coroa, de 1769. Assim adornada, a Torá é mantida dentro de um armário ornamental chamado de Arca (Sagrada), em hebraico Aron (Kodesh).

No calendário judaico, o dia começa ao pôr do sol da noite anterior, porque na hora da criação do mundo, relatada na Gênesis, diz que primeiro era noite e depois manhã. O dia mais importante da semana judaica é o sábado ou shabbàt, o dia de descanso em que qualquer trabalho ou atividade criativa é interrompida.

Mesa para o Shabbàt - Museu Judaico de Florença
Mesa para o Shabbàt – Museu Judaico de Florença

O Shabbàt começa com o pôr do sol na sexta-feira e termina no pôr do sol do sábado, de acordo com os parâmetros usuais do dia judaico. Na mesa do Shabbàt, não pode faltar o besamin, um recipiente usadopara colocar as especiarias e, sobretudo, o challà, o delicioso pão judeu em forma de trança e o copo para o Kiddush (oração de bênção do vinho kosher). O sábado termina com uma cerimônia chamada Havdallà.

O Museu Judaico também exibe objetos relacionados à liturgia pública, como o acessório feito em forma xale feito de seda, linho ou lã que todo menino judeu usa desde os 13 anos de idade para as preces judaicas: o tallith.

Tallith ou Taled em Sefaradi - Museu Judaico de Florença
Tallith ou Taled em Sefaradi – Museu Judaico de Florença

Este na foto pertencia a Nello Rosselli e foi doado por sua família. Sabatino Enrico Rosselli, conhecido como Nello, era um historiador, jornalista e antifascista italiano, além de um dos principais jovens apoiadores de um judaísmo italiano mais moderno e secular. Animador do movimento Justiça e Liberdade, ele foi assassinado em 1937 junto com seu irmão Carlo por assassinos enviados pelo regime de Benito Mussolini na França, onde ele vivia.

10 medalhas para o Sefer Torá
10 medalhas para o Sefer Torá

As medalhas para a chamada o Sefer Torá (século XX) são guardadas nesta caixa e são distribuídas, antes do início da função religiosa, para aqueles que se sucedem ao lado do oficiante enquanto lêem a passagem semanal (Parashá) da Torá.

Sala da Memória - Museu Judaico de Florença
Sala da Memória – Museu Judaico de Florença

O museu dedica uma sala inteira no segundo andar às vicissitudes dos judeus florentinos, à integração na sociedade italiana com o fechamento do gueto e a conquista da cidadania. É a sala na memória do Holocausto.

O Museu preserva uma caixa de madeira, com quatro compartimentos diferentes, usada para a coleta de dinheiro para serem doados. As doações para os pobres eram um dos principais deveres da comunidade.

vestido e objetos de circuncisão,   Museu Judaico Florença
Vestido e objetos de circuncisão – Museu Judaico de Florença

Após oito dias do nascimento, em memória da aliança entre o Senhor e Abraão, os homens judeus são circuncidados. Com esse ato, a criança se torna parte da comunidade judaica e a cerimônia é comemorada com a participação de toda a comunidade. Na foto, um vestido do final do século XIX e instrumentos de circuncisão em prata, da segunda metade do século XVIII e a cadeira de Elia, final do século XIX.

A criança era vestida de branco e as vezes tinha os ombros cobertos pela Talled era colocado em cima dos joelhos de um parente ou de um amigo escolhido pela família se sentava em uma cadeira muito alta, como aquela a direita na foto, para ajudar o mohel (especialista em fazer a circuncisão) durante a breve operação.


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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