No artigo de hoje vamos conhecer uma das grandes obras do pintor Andrea di Cione, conhecido também como Orcagna conservada na Galleria degli Uffizi em Florença: o Tríptico de São Mateus.

Andrea di Cione

Andrea di Cione é representante de uma família de artistas. Era pintor juntamente com seus irmãos Jacopo e Nardo, enquanto o irmão Matteo, era escultor. Juntos, os irmãos Cione, havia uma oficina muito prestigiosa em Florença. Andrea foi citado em um documento datado 1349, como um dos melhores artistas da cidade. 1349 é uma data importante porque marca o fim da terrível peste negra que abalou a Europa. Andrea já trabalhava antes, mas é depois da peste que ele chega no ápice da sua carreira.

Além de pintor, Andrea também era escultor e arquiteto. A sua obra-prima absoluta é o Tabernáculo de OrsanMichele, ainda hoje visível na igreja de onde provém o Tríptico de São Mateus.

O Tríptico de São Mateus

O Tríptico de São Mateus de Andrea Orcagna

A forma singular deste painel deve-se ao seu destino original: o pilar da igreja de Orsammichele em Florença, encomendada pela Arte del Cambio, a guilda dos banqueiros. Com sua estrutura convexa, com três painéis que compõem hexágono, foi realizada para envolver os três lados do pilar, narrando a vida de São Mateus, padroeiro da Arte del Cambio.

O apóstolo e evangelista Mateus, que antes da chamada de Cristo era cobrador de impostos e se chamava Levi, justamente por sua atividade de cobrador de impostos, foi escolhido para ser protetor de banqueiros, oficiais alfandegários, financistas, cambistas, contadores e cobradores de dívidas. As artes regiam a organização do trabalho em Florença na Idade Média e financiavam muitas obras de arte que depois mantinham e restauravam.

Os cônsules da arte confiaram a pintura ao mestre em 15 de julho de 1367 mas ele, que estava gravemente doente no ano seguinte – faleceu em 25 de agosto de 1368 – deixou a conclusão para seu irmão mais novo, Jacopo, que assumiu a direção da sua oficina, valendo-se de uma série de colaboradores que os críticos identificaram em bases estilísticas e batizadas com nomes convencionais. Para esta obra, é unanimemente citado o nome do chamado Mestre da Predela do Museu Ashmolean, preservada no museu homônimo de Oxford.

O painel central representa São Mateus com o Evangelho, caneta e tinteiro, vestido com um grande manto rosa forrado de vermelho e decorado com ouro sobre uma túnica azul. No livro, podemos ver escrito o início do Evangelho de Mateus, que é o único que nos conta a genealogia de Cristo, ou seja, cita Jesus como homem e descendente dos homens.

Matues está de pé sobre um tapete ricamente decorado, que apresenta motivos encontrados nos tecidos retratados em outras obras de Orcagna. Os dois painéis laterais retratam quatro episódios da vida do Santo, que devem ser lidos em sentidos opostos: à esquerda vai de baixo para cima e à direita vice-versa. Na base de cada painel, há uma descrição da cena relacionada.

Na parte superior: São Mateus acalma dois dragões. Embaixo: Vocacação de São Mateus

A partir da esquerda do visualizador, em latim medieval: QUOMODO. SANTUS. MATHEUS. MORTE DE. CHELONEO. ET. SECUTUS. LESTE. CRISTUM, (vocação de São Mateus); QUOMODO. MISERŨT. SUP. EUM. SANTUS. MATHEUS. DRACONES (São Mateus acalma os dois dragões de Vadabar), à direita, QUOMODO. SANTUS. MATHEUS. RESUSCITAVIT. UNUM. MORTUUM (São Mateus ressuscita a filha do rei Egipo) e QUOMODO. SANTUS. MATHEUS. FUIT. ACCISUS (Martírio de São Mateus). Sob a imagem do santo SANTUS. MATHEUS. APÓSTOLO. ET. EVANGELISTA, e no livro, o início de seu Evangelho.

Parte superior: São Mateus ressuscita o filho do rei Egipo. Embaixo: Martírio de São Mateus

Os episódios são narrados de forma sucinta com uma paleta de cores vivas e com grande atenção à arquitetura, todas muito imaginativas, provavelmente concebidas desta forma para marcar a distribuição das figuras no espaço.

Os painéis terminam em moldura linear e contêm uma espécie de edícula com arcos pontiagudos e moldura polilobada que emoldura a imagem do Santo e os dois registros de histórias laterais. No topo, nos trechos recortados acima da figura de Mateus, há dois pequenos medalhões com anjos que portam, respectivamente, o Evangelho e a palma do martírio, enquanto medalhões idênticos decoram os outros dois painéis preenchidos com moedas de ouro sobre fundo vermelho, símbolo da Arte del Cambio.

A obra chegou a Galleria degli Uffizi, onde ainda é conservada em 1902.

Painel 1: Conversão de São Mateus

Detalhe: Conversão de São Mateus

Mateus era um cobrador de impostos, isso significa que não era querido pelo judeus, tendo em vista que as taxas cobradas eram utilizadas para benefícios dos opressores romanos. Assim, os cobradores, chamados de forma pejorativa de “publicanos”, eram vistos como traidores do seu povo.

Na cena, vemos Mateus no seu “banco” e ao passar por ele, Jesus pronunciou uma única palavra: “Segui-Me.”. E Mateus o seguiu, foi ato de confiança extrema, pois Jesus não tinha riqueza material nenhuma. A riqueza que Ele oferecia era outra, muito distante deste mundo.

Painel 2: Mateus acalma os dois dragões da Etiópia

Detalhe: Mateus e os dragões

Após a Pentecostes os apóstolos andaram pelo mundo a pregar a palavra de Deus e Mateus chegou até a Etiópia, numa cidade chamada Nadaber. Alí ele encontrou dois magos chamados Zaroés e Arfaxat, que entusiasmavam os homens com os seus truques.

Assim, Mateus encontrou os dois magos que eram acompanhados por dragões que vomitavam fogo sulfúrico pela boca e narinas, matando os homens. O Apóstolo, munindo-se do sinal da Cruz, foi até eles com muita segurança.

Mal os dragões o viram, foram deitar nos pés do Apóstolo. Então Mateus disse aos magos: “Onde estão as artes de vocês? Despete-os, se puderem.” Então, Mateus, em nome de Jesus, ordenou que os dragões fossem embora, sem fazer mal a ninguém.

Cena 3: Mateus Ressuscita a filha do rei Egippo

Detalhe: Mateus e a filha do rei Egippo

Mateus ficou famoso no país africano porque ressuscitou a filha do Rei Egipo, Ifigênia.

Enquanto Mateus falava ao povo, começou um burburinho, pois choravam a morte da filha do rei. Como os magos não conseguiram ressuscitá-la, o rei mandou chamar Mateus, que depois de ter orado, no mesmo instante ressuscitou a filha do rei. Assim, juntamente com o rei Egipo e sua esposa, a filha Ifigênia foi batizada e consagrada à Deus.

Cena 4: A morte de São Mateus

Detalhe: Morte de São Mateus

Após a morte do rei Egipo, o seu irmão Hírtaro se apaixonou por Ifigênia, sua sobrinha. Ele desejava esposá-la, mas o problema era que a moça tinha dedicado a sua vida a religião e não queria contrair matrimônio.

Hírtaro, o novo rei, pede então a intercessão de Mateus, porém o apóstolo lhe pediu para assistir a missa no próximo domingo. Durante a missa, Mateus diz abertamente aos presentes que uma moça que foi consagrada a Deus, não poderia esposar mais ninguém, pois seria como um servo que se revolta contra o seu Senhor.

Quando o rei ouviu isso, retirou-se, louco de raiva. Quando a missa terminou o rei enviou um carrasco que com a espada atingiu Mateus, que se encontrava orando em pé diante do altar e com os braços estendidos para o Céu. E assim, fez de Mateus um mártir.

Obs: Os três último episódios representados na obra foram retirados na Legenda Aurea de Jacopo da Varazze.


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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