O Divino Michelangelo, durante a sua longa vida (Ele viveu 89 anos!) nos deixou diversas obras de arte, entre pinturas, desenhos, esculturas e arquitetura. O artigo de hoje é dedicado a uma das obras mais emocionantes do mestre, a Pietà Bandini, (em português, Piedade), conhecida também como Pietà de Florença ou Pietà do Duomo.

Com a morte da grande amiga, Vittoria Colonna em 1547, Michelangelo começou a sentir um grande desconforto e a refletir sobre um tema comum a todo ser humano: a morte! Assim, quando o mestre chegou próximo aos oitenta anos de idade, começou a fazer uma série de desenhos de um tema clássico da iconografia religiosa, com a qual ele já tinha trabalhado na sua juventude: a Pietà. Porém uma Pietà com uma iconografia muito nova, longe daquela tradicional, onde o Corpo de Jesus era sustentado por um grupo de anjos ou santos. Entre os anos de 1497 e 1499, Michelangelo esculpiu a sua primeira e mais famosa Piedade, a Pietà Vaticana, conservada na Basílica de São Pedro na Cidade do Vaticano.

Michelangelo abordou três momentos relacionados a morte de Cristo a iconografia da Pietà, a Deposição da Cruz e a Sepultura de Cristo. Assim, parece que ele nos deixou três esculturas: a Pietà Bandini, Pietà de Palestrina e a Pietà Rondanini, conservada no Castello Sforzesco em Milão. A Pietà de Palestrina conservada na Galleria dell’Accademia em Florença é uma atribuição e segundo alguns historiadores a escultura não foi feita por Michelangelo, mas provavelmente por algum seguidor do mestre. Dizemos que uma obra é atribuída quando não existe nenhuma documentação que comprove a sua paternidade.

A Pietà Bandini, conservada no Museu da Opera dell’Duomo em Florença foi esculpida por Michelangelo para o seu próprio monumento funerário, iniciada provavelmente em 1547 e abandonada em 1555, quando o artista decidiu destruí-la.

A ira e o tormento de Michelangelo

A decisão de destruir a obra é baseada em dois motivos principais: um de ordem técnica e outro de natureza psicológica. O mármore destinado ao grupo se revelou repleto de impurezas e acima de tudo, extraordinariamente duro. Lembramos que Michelangelo já estava com uma idade avançada e esculpir exigia um grande esforço físico.

Nesse período, Michelangelo vivia uma das tantas crises depressivas que ele teve no durante a sua vida e que foi se agravando com o correr dos anos. Vasari nos conta que um dia visitando a casa de Michelangelo, uma pequena luminária caiu no chão. Enquanto pediu um assistente para trazer outra, Michelangelo comentou:

“Sono tanto vecchio che spesso la morte mi tira per la cappa per farmi andare con lei, e questa mia persona cadrà un giorno come questa lucerna, e sarà spento il lume della vita.”

“Sou tão velho que muitas vezes a morte me puxa pelo capuz para me levar com ela, e um dia a minha pessoa cairá como esta luminária, e a luz da vida se apagará.”

Giorgio Vasari supõe que a lâmpada foi deixada cair no chão de propósito, diante de um especialista da arte para selar a compreensão da Pietá que ainda estava sendo esculpida. Giorgio Vasari foi escritor, pintor e arquiteto.

Sabemos que nada irrita mais uma pessoa triste e tendencialmente deprimida do que sentir-se pressionado. Sabemos também que um assistente de Michelangelo chamado Urbino (provavelmente o mesmo que trocou a luminária), pressionava o artista quase que diariamente para que a obra fosse terminada. Um dia, Michelangelo teve um crise de ira, perdeu a cabeça, deu diversas marteladas na obra, decidindo assim deixá-la incompleta.

A Pietà Bandini

Michelangelo presenteou a obra ao seu servidore Antonio Casteldurante. Foi aí que Francesco Bandini, escultor e arquiteto, conseguiu comprar a obra, mesmo em condições de abandono por 200 escudos. A obra foi colada nos jardins da Villa romana de Montecavallo. Em homenagem ao novo proprietário, a obra recebeu o nome de Pietà Bandini. Um escultor chamado Tiberio Calcagni restaurou as partes danificadas, terminou a figura de Madalena, além de realizar outras pequenas intervenções.

A obra foi colocada na mansão romana dos Bandini e em 1564 e no ano da morte de Michelangelo foi em vão solicitada por Vasari para ser colocada em cima da sepultura do artista na Basílica de Santa Croce em Florença.

Em 1646 a família Bandini vendeu a Villa di Montecavallo juntamente com a Pietà para o Cardeal Luigi Caponi. Foi neste momento que a obra foi transferida para o palácio do cardeal em Roma.

Em 25 de Julho de 1671,o Grão-Duque Cosimo III de’ Medici conseguiu comprar a obra por 300 escudos de Piero Capponi, sobrinho neto do cardeal. A obra ainda permaneceu em Roma por três anos, principalmente por causa da dificldades de transferi-la até Florença.

Assim, com muita dificuldade, a obra embarcou no porto de Citavecchi até Livorno e depois através do rio Arno a obra chega finalmente em Florença.

Inicialmente a Pietà Bandini foi colocada na Cripta Medicea na Basílica de San Lorenzo, onde permaneceu até o ano de 1722. Em seguida foi transferida para a Catedral Santa Maria del Fiore sendo colocada atrás do Altar Mor, no local das esculturas de Adão e Eva de Bandinelli. A Pietá foi colocada em uma base de mármore realizada por Giovan Battista Foggini, na qual tinha uma inscrição composta por Filippo Buonarroti, descendente de Michelangelo.

Em 1933 a Pietá foi transferida para a Capela de Santo Andre (sempre dentro do Duomo), pois o local era mais iluminado e mais visível para o público. No ano de 1946 a obra foi transferida para a Galleria dell’Accademia de Florença, onde foi feita uma limpeza geral. Desde de 1981, a obra faz parte do acervo do Museu dell’Opera do Duomo.

Descrição da obra

Três figuras estão em torno ao Corpo de Cristo: à direita Maria Madalena que na iconografia tradicional ocupa o lugar de Maria; no centro em alto Nicodemos, o fariseu convertido que de acordo com as Sagradas Escrituras, ajudou a remover o corpo de Cristo da cruz junto com José de Arimatéia; à esquerda, Maria mãe de Jesus. Em Nicodemos, Michelangelo se autorretrata.

O corpo de Cristo, motivo central da composição, escorrega para baixo, enfatizado pelo artista mediante a torção do busto e da perna. O braço direito, dobrado para trás, toca os ombros de Maria Madalena enquanto o esquerdo, numa pendência inerte ocupa o centro da composição dando continuidade a verticalidade de Nicodemos. A forma piramidal da obra é integrada e equilibrada com o andamento circular, quase rotatório, da esquerda para a direita. O perfil da cabeça de Jesus continua de fato na linha do busto e da coxa de Maria, prossegue no braço direito de Maria Madalena e se fecha com o braço e os ombros de Cristo.

Na escultura falta a perna esquerda de Cristo, mas isso não nos impede de apreciar a sabedoria compositiva do artista que conferiu ao grupo uma espécie de animação espiritual.

Se desejas fazer um tour temático sobre as obras de Michelangelo em Florença ou ainda visitar o Museu dell’Opera entre em contato conosco.


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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