Uma tela imponente, recém-adquirida pelo museu por impressionantes 450 mil euros, está exposta em uma exposição especial na Sala Branca do Palazzo Pitti, até o mês de março de 2025. Os visitantes da grandiosa reggia terão a oportunidade de admirar este monumental quadro, que logo se juntará a outras obras-primas nas salas dos mestres da pintura do século XVII nos Uffizi. Entre essas obras, destacam-se os célebres trabalhos de Caravaggio, como Medusa, Sacrifício de Isaque e Baco, além da poderosa Judith e Holofernes de Artemisia Gentileschi.
Salvator Rosa, (chamado também de Salvatore Rosa), um dos artistas mais originais e influentes de seu tempo, é conhecido por seu espírito rebelde e sua aversão aos mecenas. Em Roma, ele se inimigou com o poderoso Bernini e se destacou ao retratar temas mágicos e ocultos. Trata-se de uma aquisição “icônica” dos Uffizi, tendo em vista que a obra estava há anos no exterior e finalmente ela retornou para a Itália.
Um Mergulho na Arte Esotérica

No coração desta imponente pintura, a bruxa maligna se apresenta ajoelhada. Seu corpo, desajeitado e flácido, é retratado de forma quase obsessiva, destacando as marcas do tempo e mesclando traços femininos com características andróginas. O rosto distorcido da velha, com olhos cheios de raiva, amaldiçoa enquanto empunha um ramo em chamas na mão esquerda, exibindo na outra um recipiente esférico do qual surge uma figura diabólica, símbolo das forças infernais que ela evoca com seus feitiços.

Espalhados pelo chão, objetos enigmáticos revelam significados obscuros: uma jarra de vidro, moedas, um espelho, pedaços de ossos, um crânio e, em primeiro plano, um papel branco adornado com símbolos esotéricos e o inconfundível monograma do autor: ‘SR’. O detalhe mais sinistro, porém, é a criança envolta em um pano, escondida nas sombras atrás da feiticeira. Este é um bebê morto, ecoando a lenda de que as bruxas usavam o sangue infantil para suas poções mágicas.
O Legado de Salvator Rosa
O tema da bruxaria permeia a produção de Salvator Rosa e remete aos anos de sua estadia em Florença. Desde 1640, ele era remunerado pelo cardeal Giovan Carlo de’ Medici até 1648. A convivência com a corte dos Medicis e o ambiente refinado das academias florentinas, que se interessavam por temas esotéricos e filosóficos, moldaram suas escolhas artísticas. Obras como As Bruxas e Os Feitiços (hoje na National Gallery de Londres) e A Bruxa dos Museus Capitolinos, e a Mentira (La Mesogna) e as Tentações de Santo Antônio refletem essa influência.
Com sua pintura densa e manchada, Rosa evoca a tradição dos mestres nórdicos dos séculos XVI e XVII, de Dürer a Baldung Grien. Além disso, ele também explorou o tema da magia em seus escritos, incluindo uma ode intitulada A Bruxa (1646), que aborda a maldição de uma bruxa contra um homem que não retribuiu seu amor, ressoando com o espírito de sua obra recém-comprada.
Por cerca de 450 mil euros, o museu garantiu essa obra, cujo comitê científico deu parecer favorável à compra. A tela, que estava no exterior há tanto tempo, era objeto de interesse de diversos museus internacionais e corria o risco de nunca mais retornar à Itália. Agora, ela está pronta para encantar o público e ocupar seu lugar de direito na rica história da arte italiana.
Breves Notas Biográficas sobre Salvator Rosa, o Artista “Maldito”

Salvator Rosa (1615-1673) é uma das figuras mais fascinantes e originais do século XVII. Com um temperamento impetuoso e uma relação conturbada com os mecenas, ele se destacou como um dos primeiros exemplos do “artista atormentado”. Durante sua vida, conquistou fama internacional, que perdurou até o século XIX, principalmente entre os aristocratas britânicos apaixonados por arte.
Rosa é amplamente reconhecido por suas paisagens selvagens, repletas de árvores quebradas e desfiladeiros rochosos, frequentemente habitadas por bandidos. Essas obras não apenas capturaram a essência do sublime, mas também influenciaram gerações de pintores nos séculos XVIII e XIX. A imagem romântica de sua vida foi amplamente divulgada por Lady Morgan em sua biografia romanesca The Life and Times of Salvator Rosa (1824). O próprio artista contribuiu para essa fama, proclamando: “Eu não pinto para obter ganhos, mas apenas para minha própria satisfação; é preciso deixar-me levar pelos impulsos do entusiasmo e exercer os pincéis apenas quando me sinto violentado por eles.”
Nascido em Nápoles, Rosa mudou-se para Roma em 1635, onde rapidamente se tornou famoso como pintor de paisagens e cenas de batalha. No entanto, sua imprudência em se inimigar com contemporâneos notáveis, como o escultor Bernini, pode ter sido um fator que o levou, em 1640, a aceitar o convite de Giovanni Carlo de’ Medici para se estabelecer em Florença. Ali, ele floresceu como poeta, filósofo e pintor, cercado por uma elite culta na Academia dos Percossi.
Durante sua estadia em Florença, Rosa produziu uma série de figuras individuais profundamente poéticas, que hoje são consideradas algumas de suas obras mais amadas: Filosofia (Londres, The National Gallery), Poesia (Hartford, Wadsworth Atheneum Museum of Art), Autorretrato (Nova York, Metropolitan Museum of Art) e Autorretrato como Pascariello (em coleção particular). A intensidade dessas obras revela uma síntese única entre pintura e poesia, refletindo a profundidade de sua visão artística.
Em 1649, Rosa deixou a corte Medici e retornou a Roma, onde continuou a ser uma figura impetuosa e controversa até o fim de sua vida. Em 1651, ele pintou Demócrito em Meditação (Copenhague, Statens Museum for Kunst), uma obra-prima que encapsula sua reflexão sobre a vaidade das ambições humanas. Com um estilo classicizante, recebeu um convite para pintar para Luís XIV, convite que, corajosamente, recusou.
Rosa permaneceu em Roma até sua morte, em 1673. Em seu leito de morte, casou-se com Lucrezia Paolini, que por 30 anos fora sua amante e modelo, selando assim uma vida marcada por paixões intensas e uma busca incessante pela expressão artística.
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