O tema da obra é a batalha de San Romano, que ocorreu em 10 de junho de 1432 e envolveu a cidade de Florença, contra as forças de Siena.

Paolo Uccello: O Artista

Antes de falarmos sobre a batalha, gostaria de mencionar algo sobre o pintor Paolo Uccello, cujo verdadeiro nome era Paolo di Dono. Ele era originário do interior da Toscana, tendo nascido em Prato Vecchio, no Casentino, mas sua presença em Florença é registrada desde a infância. Aos dez anos, em 1407, já era aprendiz na oficina de Ghiberti, ajudando na confecção da porta do batistério que Ghiberti estava trabalhando. Ao mesmo tempo, Paolo Uccello era aluno de Starnina, um pintor gótico cortês, e sua formação inicial foi profundamente influenciada pelo espírito cortês da arte gótica. Mais tarde, muito jovem, ele se tornou parte da categoria dos artistas, estando já na Academia de San Luca em 1414 e inscrito na Arte dos Medici e Speziali em 1415, que era a guilda onde normalmente se inscreviam os pintores.

Monumento a Giovanni Acuto – Duomo de Florença, Paolo Uccello – 1436

Ele também começou a viajar; sabemos que teve uma estadia em Veneza, onde, infelizmente, não restaram obras, mas parece que lá trabalhou principalmente como mosaicista. Depois de algumas outras etapas, retornou a Florença, onde temos as primeiras obras confirmadas, sendo a mais famosa, além da Batalha de San Romano, o Monumento a Giovanni Acuto na catedral de Florença, datado de 1436 e assinado.

A obra: Encomenda e datação

A datação da nossa obra, a Batalha de San Romano, permaneceu incerta por muito tempo. Acreditava-se que havia sido encomendada por Cosimo o Velho de’ Medici e que datava da década de 1450. No entanto, recentemente, foram descobertos documentos que atestam o pagamento referente à Batalha de San Romano em 1438, não pelos Medici, mas por Leonardo Bartolini Salimbeni, um membro da rica classe de mercadores florentinos, que também se destacou em batalha. Não está claro se ele participou pessoalmente da Batalha de San Romano ou se financiou uma companhia de homens ou parte das tropas florentinas.

Leonardo Bartolini pagou, portanto, os três quadros, pois, na verdade, a obra é composta por três painéis diferentes. Ele os pagou em 1438, então a datação varia entre 1435 e 1440, quase simultaneamente às obras realizadas para a catedral de Florença. A obra agradou muito a Lorenzo de’ Medici, que conseguiu obtê-la dos filhos de Leonardo Bartolini. De fato, até os estudos mais recentes, o primeiro documento que atestava a existência desse tríptico estava na Câmara Grande de Lorenzo em 1492, no inventário elaborado após a morte de Lorenzo, o Magnífico.

Pensava-se, portanto, que ele havia recebido a obra por herança do avô Cosimo, o Velho, mas na verdade descobrimos que Lorenzo a havia comprado dos descendentes de Leonardo Bartolini. Durante a transferência do Palácio Bartolini para a Câmara do Palácio Medici, depois Medici Riccardi, as obras passaram por uma transformação; originalmente, deveriam ser grandes lunetas, colocadas próximas aos pedilhos das abóbadas das salas do Palácio Bartolini. Pode-se ver como no canto superior foram adicionados detalhes com laranjas, que certamente remetem à família dos Medici. Uma similar plantação de laranjas aparece na Primavera de Botticelli e em outras obras relacionadas de alguma forma a ambos os ramos da família Medici.

Detalhes e Elementos Artísticos

Paolo Uccello permaneceu em Florença por quase toda a sua vida, exceto por uma viagem a Pádua, provavelmente a convite de seu amigo Donatello. Mas o que Vasari nos conta sobre ele é que viveu em pobreza, nunca alcançando o sucesso que esperava, embora já tivéssemos visto como Lorenzo, o Magnífico, se interessou por sua produção. As “culpas”, por assim dizer, que Vasari atribui a Paolo Uccello são, em essência, relacionadas ao fato de que ele se dedicou principalmente ao estudo da perspectiva.

Voltando provavelmente de Veneza, após uma formação inicial no estilo gótico cortês, típico de Starnina e de seus outros mestres, ele teve um impacto muito forte com as novas arquiteturas que estavam se desenvolvendo em Florença, o que estimulou nele o estudo da perspectiva. Tanto que, segundo os relatos de Vasari, seu amor pela perspectiva o levava a desrespeitar sua esposa, que o chamava à noite para ir dormir, enquanto ele insistia que o estudo da perspectiva era a coisa mais doce que poderia ter. O estudo da perspectiva se manifesta em todas as suas obras com a definição de pontos de fuga, que muitas vezes são mais de um, fragmentando assim as obras em partes menores.

Por exemplo, neste caso, a perspectiva é destacada pelas lanças, pela direção das lanças, até mesmo aquelas quebradas embaixo, que criam diferentes setores por onde o olhar é conduzido. Outro grande amor de Paolo Uccello eram os animais, e Vasari também menciona isso, dizendo que, infelizmente, devido às suas más condições econômicas, ele não podia ter animais vivos, então encheu sua casa de pinturas de animais, que aparecem com frequência em suas obras. Assim, vemos o Galgo espanhol atrás da cena de batalha, numa cena de caça.

Relações entre Florença, Siena e Lucca

A batalha de San Romano é uma daquelas batalhas que, se você procurar nos livros de história, quase não será mencionada. Sua importância deve-se inteiramente à obra de Paolo Uccello, que a tornou famosa.

Na verdade, trata-se de uma batalha muito importante para os equilíbrios políticos da Toscana do século XV, e por isso gostaria de contextualizar historicamente o momento. Florença, naquela época, ainda era uma república, e toda a Itália estava dividida em vários estados e pequenos estados que disputavam terras de fronteira e buscavam adquirir cada vez mais poder. Nesse sentido, batalhas que não tiveram grande valor histórico, que não mudaram substancialmente a configuração política da península, eram, no entanto, importantes para manter o equilíbrio.

No caso específico da batalha de San Romano, normalmente se relata que foi uma batalha entre florentinos e seneses, que tinham uma inimizade de longa data, de pelo menos dois séculos, desde que a facção gibelina de Siena se opunha à guelfa Florença, e essa inimizade nunca se resolveu.

Na verdade, temos um contexto muito mais amplo, pois em San Romano os lucchese também intervieram a favor de Siena. San Romano está localizado perto de Montopoli-Baldarno, em uma área entre Florença, Lucca e Siena. Além dos luccheses, que mantinham ferozmente sua república e temiam o crescimento do poder de Florença, havia a Milão dos Visconti, grande inimiga de Florença, pois há mais de trinta anos os Visconti tentavam se apoderar da Toscana para obter acesso direto ao mar.

Composição e estrutura dos três painéis

Niccolò da Tolentino a frente das tropas florentinas – National Gallery de Londres
Di Paolo Uccello – Wikipédia

A batalha de San Romano de Uccello se divide em três cenas. Na primeira cena, que está conservada na National Gallery de Londres, vemos o comandante das tropas florentinas, Niccolò da Tolentino, avançando em direção ao campo de batalha. Nesta ocasião, os florentinos eram absolutamente escassos em número, enquanto os seneses tinham um número muito maior de homens, de modo que, aparentemente, a vitória deveria ser dos seneses. Foi Niccolò da Tolentino, capitão das tropas florentinas, quem ordenou o ataque, surpreendendo os seneses.

Intervenção decisiva ao lado dos florentinos por Michele da Cotignola – Louvre, Paris – Di Paolo Uccello – Web Gallery of Art (wikipedia)

Apesar disso, a sorte da batalha estava se inclinando a favor dos seneses, quando, vemos na terceira cena, um outro condottiero, Micheletto da Cotignola, que, chegando a tempo, finalmente vira o confronto a favor dos florentinos. E é neste momento que temos a cena central, que permanece nos Uffizi, onde vemos o desarcionamento de Bernardino della Carda, que era o comandante das tropas seneses. Parece que colocar esse episódio bem no centro foi uma espécie de vingança dos florentinos, pois até o ano anterior Bernardino della Carda estava ao lado de Florença e, após alguns mal-entendidos e desavenças, afastou-se até ir para o lado dos adversários. Assim, seu desarcionamento não tinha apenas sentido para a vitória sobre os seneses, mas também era uma espécie de vingança dos próprios florentinos contra ele.

Paolo Uccello. (Paolo di Dono) 1397-1475, Uffizi, Florença – Destituição de Bernardino della Carda

Os outros dois painéis, foram comprados por Lorenzo, o Magnífico, juntamente com o painel central e estavam em sua câmara no Palácio Medici até a venda do edificio para os Riccardi em 1659. Nessa ocasião, os painéis passaram para o guarda-roupa mediceo e foram, então, expostos nos Uffizi no século XIX.

No entanto, infelizmente, considerou-se que as duas cenas laterais, que estavam em condições piores, eram um pouco cópias da central, sendo inútil mantê-las todas. Assim, no século XIX, decidiu-se pela venda, da qual a National Gallery de Londres se beneficiou em 1859, adquirindo a cena com Niccolò da Tolentino, e o Louvre de Paris, poucos anos depois, em 1863, comprou a cena com Micheletto a Tendolo da Cotignola. Infelizmente, desde então, não houve maneira de recompor essa esplêndida trilogia, que hoje teria um valor ainda maior se pudesse ser vista junta, especialmente após os vários restauros que ocorreram.

Paolo Uccello e o amor a perpectiva

Muito se tem falado sobre Paolo Uccello. Por exemplo, como já afirmava Vasari, o amor pela perspectiva lhe tirou o desejo típico de outros autores do Renascimento de investigar a fundo as expressões humanas e a anatomia tanto humana quanto animal.

Paolo Uccello – Batalha de San Romano – Detalha: podemos observar o mazzocchio, o chapéu xadrez

Ele tinha um enorme interesse pela perspectiva, que se vê também nas pequenas coisas, como no estudo geométrico. Por exemplo, são notáveis no quadro as representações do mazzocchio. O mazzocchio é o típico chapéu da alta burguesia florentina. Era uma espécie de cilindro que se colocava na cabeça, coberto de tecido, sobre o qual se colocava uma espécie de lenço para mantê-lo unido.

Paolo Uccello amava muito esse chapéu, pois lhe permitia fazer estudos matemáticos e geométricos e vemos neste painel, três mazzocchi de tipo geométrico e um de tipo espiral. O próprio Vasari fala da infinidade de desenhos que Paolo Uccello dedicou à estrutura do mazzocchio.

Desenho de Paolo Uccello, Mazzocchio em perpectiva

E é um tipo de estudo abstrato que só foi completamente compreendido no século XX com o Cubismo, e que os contemporâneos de Paolo Uccello não viam com bons olhos. Desses infinitos desenhos, dos quais Vasari fala, temos um belíssimo conservado no gabinete de desenhos e gravuras dos Uffizi, onde o mazzocchio é decomposto em 256 pontos diferentes, todos conectados por linhas. E pode-se ver, a partir dessa precisão e desse estudo contínuo sobre esses temas, como as formas geométricas capturaram totalmente a atenção de Paolo Uccello.

No final, ele se interessava mais pela intersecção das formas e pela construção da forma do que por representar um objeto comum. É por isso que, provavelmente, ele não foi apreciado em vida tanto quanto foi posteriormente. Inclusive, conta-se que seu grande amigo Donatello, que o havia convidado para Pádua e compartilhava com ele a experiência artística, reclamou muito ao ver os afrescos que Paolo Uccello havia feito em Porta a Prato, dizendo que seria melhor tê-los deixado cobertos, com a típica franqueza dos florentinos.

Paolo Uccello, Batalha de San Romano, detalhe da vestimenta dos cavalos em folha de ouro, Uffizi, Florença

Mas a outra grande riqueza desta pintura deve-se aos infinitos detalhes, que provavelmente estavam, em sua maioria, cobertos de folhas de ouro e também de prata, conferindo uma luminosidade intensa. Por exemplo, permanecem as decorações em folhas de ouro nos arreios dos cavalos. Muito provavelmente as armaduras dos soldados eram revestidas com folha de prata.

Os detalhes dos cavalos

Descendo, algo interessante de se observar são as ferraduras dos cavalos, pois podemos notar que mudou muito pouco, tanto na ferradura quanto na vestimenta dos cavalos, especialmente na parte da cabeça, em comparação com a equitação moderna. O que muda mais são as selas e o tipo de montaria. As selas eram muito mais rígidas do que as utilizadas atualmente e se encaixavam no cavaleiro, para evitar que ele caísse.

Detalhes vestimentas do cavalo montaria e cela – Batalha de San Romano – Florença

A altura da estaca era muito longa, a perna quase totalmente estendida, e o peso do corpo era deslocado muito para trás. Essas representações de cavalos são magníficas, pois, ao contrário de Leonardo da Vinci, que tratou do mesmo tema das batalhas 50 a 60 anos depois, Paolo Uccello não se preocupou em estudar a anatomia do cavalo, mas nos apresenta cavalos robustos, típicos corsários usados em batalha, capazes de suportar o peso de cavaleiros armados. Portanto, não eram cavalos particularmente rápidos, mas eram massivos, e ao contrário do que às vezes se diz em relação a essas pinturas, eles não estão absolutamente descontrolados. Vemos-os se levantando sobre as patas traseiras, em figuras que deram origem, nas disciplinas olímpicas modernas, à equitação que ainda é praticada.

Eram cavalos perfeitamente treinados para o uso em guerra, capazes de se erguer e esmagar os cavaleiros caídos no chão, provocando temor. Esses movimentos que permitem ao cavalo descarregar todo o peso sobre as patas posteriores, elevando-se sobre oas anteriores, só é possível quando o cavalo está completamente atento aos comandos do cavaleiro.

Os cavaleiros

Critica-se Paolo Uccello por não ter identificado bem os humanos, as pessoas que compõem a composição. Existem alguns rostos, mas são apenas esboçados; temos o antagonista, Bernardino della Carda, que é desarcionado, cujo rosto nem é visível, apesar de sua figura massiva estar bem no centro da composição.

Os protagonistas da batalha eram, evidentemente, além dos cavalos, os homens de armas, pois sendo uma batalha historicamente ocorrida, como já mencionei, não é das mais importantes no panorama das numerosas escaramuças, mas é, no entanto, significativa para a configuração da República Florentina, e temos os nomes dos protagonistas, além de muitos documentos.

Niccolò da Tolentino

Di Paolo Uccello – The Yorck Project (2002) 10.000 Meisterwerke der Malerei (DVD-ROM), distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH. Wikipedia – Niccolò da Tolentino

O cavaleiro protagonista do primeiro painel, Niccolò da Tolentino, foi o capitão geral das tropas florentinas por muitos anos, tendo recebido esse título honorífico no máximo um ano antes da batalha de San Romano, em 1431. Sua data de nascimento não é certa, mas acredita-se que seja em torno de 1350, o que significa que, na época da batalha de San Romano, ele tinha cerca de 80 anos. Para nós, é difícil imaginar isso, mas a aposentadoria não existia, e ele ainda estava ativo e, de fato, vitorioso nesta batalha.

Em 1435, ele foi capturado pelos Visconti e, durante uma transferência rumo a Milão, foi intencionalmente lançado em um abismo em Bardi. Moribundo, foi encontrado por alguns transeuntes, que o levaram a Borgo Val di Taro, onde faleceu em 20 de março devido às graves feridas que sofrera. Seu corpo foi sepultado na Catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença. Em 1456, a cidade de Florença encomendou a Andrea del Castagno um afresco comemorativo para adornar sua sepultura.

Di Sailko – Wikipedia – Niccolò da Tolentino, afresco Duomo de Florença, realizado por Andrea del Castagno

Raramente esses comandantes morriam em batalha. Não era do interesse de ninguém ter muitos mortos em batalha. As companhias de mercenários, os homens de armas, eram, na verdade, pessoas altamente especializadas em seu ofício e altamente organizadas. Na Itália do século XV, a importância dos homens de armas era realmente enorme, pois a Itália estava dividida em vários pequenos estados que, por meio de alianças ou guerras, buscavam evitar que um deles se sobressaísse, mantendo um certo equilíbrio. Para que isso acontecesse, essencialmente, eram necessárias duas coisas: dinheiro e, nesse aspecto, Florença, sendo uma cidade muito rica, não tinha problemas, e os homens de armas podiam ser conquistados com dinheiro.

Bernardino della Carda

Bernardino della Carda, Batalha de San Romano, Uffizi, Florença

Bernardino della Carda, como Niccolò da Tolentino, também era das Marcas; provavelmente nasceu em Pecchio e sua família era uma família de homens de armas muito próxima aos Montefeltro. Por outro lado, Urbino fica perto de Pecchio, que era a cidade dos della Carda ou conquistada pelos della Carda.

Este é um personagem muito importante, embora a questão não esteja completamente esclarecida, as crônicas contemporâneas acreditavam que ele fosse o verdadeiro pai de outro grande homem de armas, bem como duque de Urbino, Federico da Montefeltro. Bernardino della Carda havia se casado em 1420 com uma filha ilegitima de Guidantonio da Montefeltro, que ainda não tinha filhos legítimos; provavelmente a esposa de Guidaantonio era estéril. Assim, Bernardino da Carda casou-se com Aura da Montefeltro, e um ano depois nasceu Federico de Montefeltro, aparentemente na corte de Urbino, era considerado filho de Guidantonio. Federico será, ao longo da vida, muito ligado ao filho de Bernardino da Carda, que era um ano mais novo, Ottaviano della Carda. Existia um verdadeiro afeto fraternal que os unia, o que sustenta a hipótese já avançada nas crônicas do século XV de que Federico da Montefeltro seria, na verdade, filho de Bernardino.

Bernardino della Carta, que, no entanto, não sofreu nada com esta queda porque escapou são e salvo da batalha de San Romano e morreu de doença em sua cama cinco anos depois, em 1437.

Micheletto da Cotignola

Micheletto da Cotignola – Paolo Uccello – Louvre – Paris

Na obra que é conservada no Louvre, temos um personagem extremamente importante. No centro da composição está Micheletto da Cotignola, que chega em apoio às tropas florentinas com seu próprio contingente. O interessante sobre Micheletto é que ele é um dos grandes protagonistas das batalhas do Quattrocento Italiano.

Nos primeiros anos de 2000, foi realizada uma tese de doutorado que tinha como tema o livro do contador de suas tropas. As tropas mercenárias funcionavam quase como sociedades comerciais, portanto, tinham contadores. O contador de Micheletto, que trabalhou para ele por nada menos que vinte e três anos, era originário de Arezzo e se chamava Francesco di Viviano. Quando terminou seu serviço, voltou a Arezzo e trouxe consigo este livro, que ainda hoje é conservado na Fraternidade dos Leigos de Arezzo. Isso lança luz sobre a composição das companhias.

Uma grande companhia, como a de Micheletto, contava com cerca de 500 homens, divididos em diferentes grupos. Eles eram pagos com um salário mensal estabelecido no contrato, além de haver um acordo sobre como se apresentar ao restante da tropa em desfiles. Assim, essas eram verdadeiras cerimônias. Os homens de uma mesma companhia frequentemente permaneciam ligados por toda a vida, conhecendo-se bem. Documentos revelam que tendiam a ficar na mesma companhia, embora, como vimos no caso de Bernardino da Carda, às vezes mudassem completamente de campo. No entanto, continuavam unidos, muitas vezes sendo membros da mesma família. Na companhia de Micheletto, havia outros nove parentes, como irmãos, primos ou sobrinhos. Ele mesmo era primo daquele famoso Muzio da Tendola Sforza, cujo filho, Francesco Sforza, também capitão a serviço dos florentinos, se tornaria duque de Milão com a extinção da família Visconti.

Este é um momento histórico crucial, pois até então, Milão era a grande inimiga de Florença. Tivemos a batalha de San Romano em 1432, onde Milão apoiou os seneses, e oito anos depois, em 1440, a batalha de Anghiari, onde finalmente ocorreu o verdadeiro confronto entre florentinos e milaneses, resultando na vitória dos florentinos. Milão continuava sendo uma inimiga. Com a morte do último Visconti e a ascensão de Francesco Sforza, um capitão de ventura que havia lutado pelos florentinos, inicia-se um período de amizade entre Florença e Milão.

Esses equilíbrios eram frequentemente alcançados graças às ações dos homens de armas, que eram muito mais importantes do que podemos imaginar na sociedade. Vale ressaltar que, após longos anos de batalhas, muitos deles se aposentavam e conseguiam acumular riquezas, levando de volta para suas terras, frequentemente regiões de fronteira, onde as batalhas eram comuns. Assim, traziam consigo uma riqueza de laços humanos e culturais, que se espalhavam a partir de centros como Florença, enriquecendo tanto o território quanto a cultura local.

Uma última observação: embora possa parecer que a profissão de armas fosse altamente perigosa, e de fato era, esses personagens eram altamente especializados. Portanto, não era do interesse de ninguém conduzir guerras extremamente sangrentas. Muitas vezes, buscava-se capturar prisioneiros que poderiam ser resgatados ou encontrar um acordo antes de chegar a um confronto particularmente violento. Por exemplo, a partir dos documentos de Francesco di Viviano, pode-se ver que, dos cerca de 512 homens de armas, condottieri de lance que serviram com Micheletto, apenas um morreu em batalha.


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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