Gian Gastone era o filho mais novo do grão-duque Cosimo III e Margarida Luise de Orléans. Era um jovem instruído e gozava a fama de ser o príncipe mais culto do seu tempo, com uma paixão especial pela ciência, antiquariato e botânica.

Diferente do irmão Ferdinando, Gian Gastone preferia conduzir uma vida retirada nos seus estudos em companhia do Cardeal Noris, seu antigo professor. Dono de um temperamento introvertido e propenso a solidão, cresceu sem a mãe, enquanto o pai nunca teve por ele grande estima. Margarida Luise abandonou Florença, para retornar à Paris quando Gian Gastone tinha apenas quatro anos de idade. Ele era também desprezado pelo irmão mais velho e herdeiro do trono, Ferdinando. Como consequência deste tratamento, Gian Gastone não era considerado em nenhuma decisão na Corte Medicea.

Gian Gastone tinha uma boa índole, amava a vida no campo e não possuía nenhuma ambição. Certamente seu pai gostaria que ele se casasse e tivesse uma vida menos isolada, mas os métodos utilizados por Cosimo para conseguir essas duas coisas, foram os piores possíveis.

O matrimônio com Ana Maria Francisca

Entusiasmado com a ideia de levar um ramo dos Medici para a Alemanha, Cosimo III estabeleceu, com a ajuda da filha Anna Maria Luisa, que Gian Gastone, ao completar 24 anos de idade, deveria esposar Ana Maria Francisca de Saxe-Lauemburgo, filha do falecido duque Júlio Francisco de Saxe-Lauemburgo, que não havia deixado filhos do sexo masculino. Ana Maria Francisca era viúva do conde Palatino Filipe Guilherme Augusto de Neuburgo, que teria começado a beber por causa do seu comportamento mesquinho, e por esse motivo, morrera apenas três anos após o casamento.

Ana Maria Francisca – Galleria degli Uffizi, Florença

A princesa Ana Maria Francisca tinha outros títulos, e a reivindicação eleitoral através do pai já falecido, implicava a possibilidade de seu marido um dia se tornar um príncipe do Sacro Romano Império.

A noiva escolhida era uma mulher de caráter autoritário, amante da caça e dos exercícios físicos. Ana de Saxe-Lauemburgo inicialmente se opôs à nova união, mas acabou por ceder ao pedido de Cosimo III, do Eleitor Palatino Guilherme e da sua consorte Anna Maria Luisa de’Medici. O casamento com Gian Gastone foi celebrado na Capela Palatina de Dusseldorf em 1697.

O acordo matrimonial previa que Gian Gastone deveria viver nas terras da esposa, onde muito cedo apareceram as dificuldades. Ana, sem qualquer inclinação para a ciência e para as artes, vivia em um pequeno castelo perto de Reichstag, uma pequena aldeia situada nas montanhas da Boêmia.

Isolado com uma mulher que preferia os prazeres da caça e cercado por uma natureza onde as montanhas são cobertas por neve por pelo menos seis meses por ano, o jovem Medici caiu cada vez mais na melancolia. Após um ano de matrimônio, ele fugiu para Paris para encontrar sua mãe. Logo depois foi forçado por Cosimo III á retornar à Boêmia.

Assim, Gian Gastone, se afastou cada vez mais da mulher, passando grande parte do seu tempo em cervejarias. O hábito logo se transformou em vício: Gian Gastone se tornou um alcoólatra.

O retorno à Florença

Neste meio tempo, em Florença, o herdeiro do trono, Ferdinando estava a beira da morte. Então, Cosimo III, reclamou a presença do filho mais novo em casa. Cosimo III, fez de tudo para a nora Ana Maria Francisca acompanhar Gian Gastone em Florença, mas não obteve sucesso.

Em 1708 Gian Gastone abandonou sua esposa e retornou à Florença: os dois cônjuges nunca mais se viram. A princesa Anna Maria da Saxônia-Lauenburg supostamente morou sozinha em sua propriedade em Boêmia para o resto de sua vida, e mesmo quando atingiu a idade de maturidade, continuou a ser uma enérgica caçadora. No entanto, com o passar dos anos ela se tornou cada vez mais teimosa e solitária. Morreu em 1741 aos setenta anos.

O Cardeal Francisco Maria de’Medici

Busto Cardeal Francisco Maria – Foggini

Começou então o problema de sucessão na Toscana. Os três filhos de Cosimo III não possuíam filhos. Assim, o grão-duque Cosimo III obrigou seu irmão mais novo, o cardeal Francisco Maria, a abandonar o capelo cardinalício para se casar com Leonor Gonzaga de Gustalla. O ex-cardeal morreu um ano depois sem deixar herdeiros e mesmo se o casamento tivesse durado mais tempo, o resultado seria o mesmo, dada a notória homossexualidade de Francisco Maria.

Gian Gastone no trono da Toscana

Gian Gastone, grão-duque da Toscana

Gian Gastone tinha 52 anos de idade quando subiu ao trono da Toscana. Cultura, inteligência extinguiram-se nele há muito tempo, por entre as neves da Boêmia. Era um homem envelhecido precocemente e sua brilhante inteligência deu lugar a uma melancolia velada de sarcasmo. Ele tentou dar a volta por cima, bebia menos e parecia disposto a acompanhar de perto os assuntos do Estado.

Ele nunca tinha desejado a coroa grão-ducal, na verdade, ser grão-duque era um verdadeiro peso, pois impedia que ele gozasse daquela solidão, a qual era habituado. Desde de pequeno foi sempre excluído pelo pai, Cosimo III, dos negócios do Estado.

Mesmo assim, ele iniciou o seu reinado afastando do Estado todo clero que rodeava seu pai. Anulou com uma única assinatura a longa lista de pensões chamadas de “Pensioni del Credo” que eram pagas a judeus, turcos, católicos ortodoxos, protestantes e outros que eram designados “convertidos” e que constituíam um grande peso para para a economia da Toscana.

Com outras medidas procurou diminuir os impostos, além de abolir o sistema de espionagem organizado, que há muito tempo controlava a vida doméstica dos cidadãos. As portas das prisões foram abertas para libertar aqueles que tinham ofendido o clero; as penitências foram abolidas e os exiliados obtiveram permissão para retornarem à pátria.

Seguindo o exemplo do seu avô, Ferdinando II, Gian Gastone se misturava com os seus súditos. Ele chamou a cunhada, Violante Beatrice, viúva do grão-príncipe Ferdinando para assumir a hospitalidade da corte. Deixou de lado a irmã Anna Maria Luisa, a quem parece nunca ter perdoado por ter promovido o seu casamento infeliz con Ana Francisca.

Assim, o Palazzo Pitti ganhou uma nova vida, longe do clima religioso que ali reinou por tantos anos. Em vez de frades vestidos de pretos, os salões do palácio acolheram novamente artistas e intelectuais florentinos.

Durante o carnaval eram feitas corridas, batalhas de flores e confetes além de muitos bailes de máscaras, onde todas as classes sociais participavam. Durante o carnaval era permitido usar máscaras tanto no teatro quanto pelas ruas de Florença.

Gian Gastone se preocupava também com a justiça, e apesar da pena capital não ter sido abolida oficialmente, durante o seu reinado, nenhum prisioneiro foi condenado a morte. A vida quotidiana retomava o seu curso, e as cerimônias religiosas foram substituídas por jogos e divertimentos nas ruas e praças de Florença.

A princesa Violante foi a vida e a beleza do reinado de Gian Gastone. As suas virtudes, amabilidade e bom senso foram uma ajuda preciosa. Ela se tornou a grande inspiração de Gian Gastone na vida na corte e nos negócios públicos.

O problema da sucessão

Sem filhos e com um casamento falido, Gian Gastone sabia que era o último Medici a governar a Toscana. Ele se preocupou principalmente em assegurar a herança da sua irmã Anna Maria Luisa, de modo que, qualquer um que subisse ao trono após a sua morte, não a privasse do patrimônio que pertencia a sua família. A sua preocupação maior era proteger as vilas mediceas e os palácios com seus mobiliários e obras de arte, que sem dúvida fazia parte dos bens privados da família.

Giovanni Maria delle Piane conhecido como “il Mulinaretto”, Don Carlos, Duque de Parma, pintura a óleo, 1732, Palácio Real da Granja de San Ildefonso. Primeiro herdeiro do trono toscano, o jovem Don Carlos conseguiu conquistar a simpatia de Gian Gastone e do povo florentino.

Nos anos de 1724-1731 as discussões e negociações entre as principais potências europeias para a sucessão no trono da Toscana foram incessantes. A Áustria se negava a discutir outro tema até que a questão da Toscana não fosse resolvida. A Espanha fazia de tudo para Gian Gastone aceitar Don Carlos de Bourbon, (futuro Rei Carlos III da Espanha), filho mais velho de Isabel de Parma, rainha da Espanha (descendente de Margarida, filha de Cosimo II de’Medici) como seu sucessor. O negócio era tão esquisito, que a Espanha só não mandou as suas tropas para obrigar Gian Gastone a aceitar a sua vontade por causa do temor da Áustria.

Em 1728 Gian Gastone se sentiu mal, e assim a Áustria, pensando que era algo mortal, publicou um edital imperial que advertia aos toscanos a aceitarem, quando Gian Gastone fosse morto, o sucessor designado pelos austríacos. Gian Gastone protestou, mas foi inútil. No ano seguinte, Gian Gastone torceu o tornozelo, e correu a voz que o grão-duque estava a beira da morte.

A Espanha organizou as tropas para tomar possesso da Toscana, enquanto a Áutria mandou 30.000 homens comandados pelo Marechal Daun na Lombardia, para ofercer ajuda a Gian Gastone. O grão-duque não queria colocar a Toscana dentro de uma guerra, já que tanto o povo, como a economia vinha sofrendo há tempos. Para ganhar tempo, ele decidiu garantir a Espanha que reconheceria Don Carlos como seu sucessor e em troca, a Espanha consentiria que a sua irmã Anna Maria Luisa de’Meidci, recebesse o título de grão-duquesa.

Enquanto as grandes potências europeias se preparavam para um guerra, a morte do Papa Bento XIII provocou uma série de novas negociações. A Áustria pedia permissão para ocupar Milão, enquanto a tropa espanhola ameaçava ocupar Livorno. Gian Gastone continuou a negar a permissão de ocupação das terras da Toscana por parte de qualquer potência europeia, mas começava a demonstrar cansaço nesta luta a qual não possuía nenhum poder de resistência.

A Princesa Violante, cunhada de Gian Gastone

A morte da Princesa Violante, acontecida em 1731, fez com que Gian Gastone entrasse em desespero. Ele voltou aos velhos vícios da bebida e abandonou os negócios públicos nas mãos dos ministros. Retirando-se da vida pública, Gian Gastone entrou na mais profunda degradação e depressão, transformando-se em um grande embriagado, acompanhado por um grupo de pessoas vis. Ele passava a metade do seu tempo na cama. Muitos o descreviam como um homem sem o sentido da própria dignidade. Até as condições de higiene eram miseráveis.

Enquanto Gian Gastone ia ao encontro de uma morte, talvez desejada, a Espanha e a Áustria davam os passos preliminares para militarmente tomar posse do território da Toscana. As frotas da Espanha com 30 mil homens conquistaram Livorno.

Em seguida, o imperador Carlos VI, enviou um exército composto de 50 mil austríacos para invadir a Toscana. A luta entre as duas potências só foi evitada porque a Espanha foi chamada para combater em Nápoles e a Áustria sofreu uma perda no Pó. Os florentinos odiavam a ideia de ter um soberano austríaco, mas se não era possível ter um toscano a frente do governo, eles preferiam a Espanha.

Finalmente em outubro de 1735, Áustria, França, Inglaterra e Holanda, baseada em uma paz geral, decidiram que a Toscana após a morte de Gian Gastone seria dada a filha do Imperador, Maria Teresa da Áustria, a qual deveria esposar Francesco, duque de Lorena; e estes, em troca da Toscana, deveriam renunciar o ducado de Lorena em favor da França. A Espanha protestou, mas como ela vinha sofrendo em Nápoles, teve que aceitar, em troca de ajuda no sul da Itália.

E assim, em Janeiro de 1736, o acordo entre as cinco potências foi ratificado na Paz de Viena. Os florentinos não eram contentes em ter sido vendidos as grandes potências europeias e tinham muito medo de ter no governo um tirano austríaco. Gian Gastone enviou protestos a Londres, Paris e Viena, mas não obteve nenhum resultado.

Fragilizado emocionalmente e fisicamente pelos seus excessos e imerso na mais profunda tristeza pelo destino da sua família e da sua pátria, Gian Gastone continuou a deixar seus ministros governarem a Toscana, como bem quisessem.

Maria Teresa da Áustria – Retrato por Martin van Meytens, 1759

No dia 12 de Fevereiro de 1736 foi celebrado o matrimônio de Maria Teresa da Áustria e Francesco de Lorena, que abdicou formalmente o ducado de Lorena para obter em troca o grão-ducado dos Medici após a morte de Gian Gastone. França e Áustria garantiam que o tratado fosse respeitado.

Em Janeiro de 1737, em conformidade com o tratado, as tropas espanholas foram retiradas do território da Toscana, e as tropas austríacas ficaram no seu lugar com o General Braitwitz em Florença e o General Wachtendonk em Livorno, depois que os dois juraram fidelidade ao Grão-duque em 05 de Fevereiro de 1737. Gian Gastone estava morrendo com um monte de doenças e não se interessava mais pelo destino da Toscana.

O último ato

Basílica de Santa Croce - Florença
Tumulo Galileu – Basilica de Santa Croce – Florença

O amor pela ciência fez com que ele tivesse um último grande gesto: a realização na Basílica de Santa Croce do monumento fúnebre de Galileu Galilei, fazendo com que os restos mortais do cientista que estavam na Capela Medici, anexa a igreja, fosse transportados para a Basílica, em frente ao túmulo de Michelangelo Buonarroti.

O primeiro ato público do primeiro Medici era fazer renascer a arte e o último ato público do último grão-duque Medici foi a construção de um grande monumento dedicado a ciência.

A morte de Gian Gastone

Em 09 de Julho de 1937 Gian Gastone deu o seu último suspiro com a idade de 66 anos. Ele recebeu as sinceras lacrimas do povo florentino que havia recebido um grande benefício no início do seu governo e que não via os vícios do falecido grão-duque. O povo sentiu realmente a perda do último soberano da família Medici.

Para a cidade de Dante e Brunelleschi, o presente reservava apenas a saudade de um passado glorioso e multissecular.

O estudioso francês Charles de Brosses que visitou Florença em 1739 escreveu: «Os toscanos dariam dois terços de sua riqueza para obter de volta um Medici no poder e o outro terço para se livrar dos Lorenas, os quais eles odiavam.”


Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

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