Michelangelo faleceu em 18 de fevereiro de 1564, e teria completado oitenta e nove anos em 6 de março. Naquele momento, seu sobrinho e unico herdeiro, Leonardo Buonarroti, não estava com ele e nunca respondeu ao convite para visitá-lo. A mensagem , escrita por Daniele da Volterra, chegou a Florença enquanto Leonardo estava em casa com sua esposa.

Daniele relatou que, em um momento de cansaço, Michelangelo adormeceu. Quando despertou, pediu que ele escrevesse a seus familiares e os convidasse a ir a Roma. O pintor repetiu o pedido três vezes, enfatizando a urgência. No entanto, o sobrinho não foi, temendo que Michelangelo quisesse descarregar sua ira sobre ele. Durante anos, o artista o acusou de dilapidar o dinheiro que enviava a Florença, insinuando que as visitas eram apenas para verificar sua saúde e a condição da herança. O sobrinho já estava acostumado com as explosões do tio.

Michelangelo era um homem difícil, mas também generoso à sua maneira. Um amigo dele escreveu que “Messer Michelangelo, morreu sem deixar testamento, mas como um perfeito cristão, esta noite ao pôr do sol.” Estavam com Michelangelo: messer Tommaso de’ Cavalieri, messer Daniele da Volterra e o amigo que enviou a mensagem. Eles organizaram tudo para o sepultamento, garantindo que os familiares pudessem ficar tranquilos.

Diante da situação, o sobrinho sentiu que não poderia permanecer em Florença e chegou a Roma três dias depois. Daniele o recebeu calorosamente e entregou uma pilha de folhas ditadas por Michelangelo, que continham suas memórias. O mestre desejava contar tudo pessoalmente, mas a espera do sobrinho havia sido longa, então pediu que as transcrevesse. As páginas revelavam um fluxo de lembranças que demonstravam como ele enfrentou a morte com a mente clara. Este foi seu último ato de generosidade.

Michelangelo morreu em condições miseráveis, vestindo trapos que não tirava há anos, em uma casa pobre e em um bairro fétido, onde forçava seus ilustres clientes a visitá-lo. O duque Cosimo I de’ Medici enviaria um representante para fazer o inventário do que restou, acreditando que as obras de Michelangelo pertenciam a Florença. No entanto, encontraria muito pouco, pois o artista queimou quase todos os seus desenhos.

Leonardo Buonarroti leu as páginas de uma vez e foi tomado pela paixão de Michelangelo pelo trabalho, pela vida e pela família. Ele refletiu sobre a intensidade do tio, que nunca escolheu o caminho mais fácil e sempre esteve disposto a abraçar desafios. A vida o premiou com honra, mas também com dor.

Ao arrumar suas poucas coisas, encontraram debaixo da cama um cofre com mais de oito mil ducados de ouro, uma quantia que poderia ter lhe permitido comprar o Palácio Pitti em Florença, se tal desejo tivesse passado por sua mente. Uma fortuna que não confiou a nenhum banco. O sobrinho nunca soube disso, pois Michelangelo o considerava um homem fraco. Contudo, para o artista, ele também era o filho que nunca teve, recebendo o amor e o cuidado que sempre demonstrou por Buonarroto, seu irmão preferido. Ele se preocupou que o sobrinho se casasse com uma mulher de bem e que não faltasse nada a ele e à sua família.

Leonardo reconheceu que, se Michelangelo tivesse falado sobre o tesouro, talvez ele o tivesse administrado mal. Agora, porém, era seu. Ele não permaneceu indiferente a esse gesto exagerado e fez a única coisa certa para recuperar a estima do tio, mesmo após a morte.

O corpo de Michelangelo foi colocado pelo Papa Pio IV na Basílica dos Santos Apóstolos, em um túmulo simples e anônimo em Roma. Porém, nas cartas, o tio expressou o desejo de ser sepultado em Florença. Leonardo sentiu que precisava agir, mesmo que isso significasse ir contra a vontade do Pontífice para cumprir os últimos desejos do artista.

Pela primeira vez, ele precisava demonstrar coragem e se comportar como Michelangelo, que se opôs até aos homens mais poderosos para afirmar suas ideias. Organizou o roubo do corpo, que foi fechado em um caixão de madeira revestido de chumbo e levado a Florença.

A cidade reservou uma recepção extraordinária para o artista. O duque Cosimo I agradeceu publicamente a Leonardo. Por doze dias, o corpo foi mantido na capela da Annunziata, permitindo que todos os cidadãos prestassem homenagem. Em seguida, uma oração fúnebre foi organizada na Basílica de Santa Croce, com a presença de figuras como Giorgio Vasari, Bartolomeo Ammannati, Agnolo Bronzino, Benvenuto Cellini e muitos florentinos. Michelangelo parecia simplesmente adormecido, com o rosto sereno e orgulhoso, como sempre fora. A morte não o desfigurou.

Cosimo I exigiu que Leonardo doasse os quatro Prisioneiros que ainda estavam na casa de Florença e o Gênio da Vitória, que inicialmente parecia que iria decorar o túmulo do tio. O sepulcro, no entanto, seria projetado por Vasari, majestoso e belo como o de um príncipe. Porque, no fundo, foi isso que Michelangelo foi: um homem de ânimo nobre, que dedicou a vida à arte e nunca se esquivou de seus deveres. Ele suportou todo tipo de esforço e insulto para concluir suas obras, nunca parando diante das dificuldades e lutando para alcançar seus objetivos. Para muitos, ele é um exemplo extraordinário, um gênio que poucos poderão imitar.

O projeto do monumento

Monumento funebre de Michelangelo, Basilica de Santa Croce, Florença

O túmulo de Michelangelo foi colocado na Basílica de Santa Croce em Florença. Mais de sessenta Buonarroti foram enterrados na basílica até 1858, quando a família se extinguiu. Sob o patrocínio da família Buonarroti, foi realizado também o altar com a obra da “Andata al Calvario”, de Giorgio Vasari.

Após a transferência do corpo de Michelangelo de Roma para Florença e o funeral solene, Leonardo Buonarroti, sobrinho e herdeiro de artistas renascentista, começou a conceber a ideia de um monumento fúnebre que honrasse o gênio. Vasari diz que a idéia foi apoiada pelo duque Cosimo I, que “ordenou que Michelangelo recebesse um lugar de honra em Santa Croce” e que ele doou os materiais necessários.

Leonardo Buonarroti pensou em confiar a Danielle da Volterra a encomenda do monumento. Daniele da Volterra foi o artista que esteve perto de Michelangelo até os últimos dias e que realizou a sua máscara fúnebre. Danielle havia proposto usar para o monumento as obras inacabadas deixadas por Michelangelo em sua oficina florentina na via Mozza – os “Prigioni” e o “Genio della Vittoria”.

No entanto, esse projeto foi abandonado, provavelmente porque o duque Cosimo havia expressado o desejo de se apossar dessas estátuas. De fato, os Prisioneiros, hoje estão na Galleria dell’ Accademia, e o Gênio da Vitória, agora no Palazzo Vecchio, foram doadas por Leonardo a Cosimo I em 1564.

O túmulo de Michelangelo na Basílica de Santa Croce

A comissão do monumento foi então atribuída a Giorgio Vasari, que confiou sua execução a escultores de sua confiança. O monumento é localizado entre o primeiro e o segundo altar da nave direita, perto do túmulo da família. O corpo de Michelangelo não está no monumento, mas na tumba localizada no chão.

O sarcófago de mármore é cercado por três figuras alegóricas – Pintura, Escultura e Arquitetura. No sarcófago é colocado o busto de mármore, retrato fiel de Michelangelo, retirado da máscara fúnebre.

Nos dois lados do busto encontram-se o brasão da família Buonarroti e, o brasão da Academia de Artes, fundada no final de 1563, do qual Michelangelo, juntamente com o duque Cosimo I, foi eleito primeiro console.

O desenho deste monumento deve ser visto no contexto do clima cultural que levou à fundação da Academia. As três guirlandas entrelaçadas no brasão da Academia, são símbolos das três artes representadas ao redor do sarcófago. Como três irmãs, Pintura, Escultura e Arquitetura estão unidas pelo vínculo do desenho, que é a base de todas as artes.

O túmulo de Michelangelo é completado pela decoração pictórica imitando um dossel e a imagem da Pietà, obra de Giovan Battista Naldini. A escultura, que ocupa a posição central, sendo a arte favorita de Michelangelo, foi esculpida por Valerio Cioli (Settignano, por volta de 1529 – Florença, 1599), com a cabeça inclinada para expressar desespero, ela segura um bloco de mármore apoiado no joelho e ferramentas manuais, tão amados por Michelangelo.

Battista Lorenzi (Settignano 1527-1594) foi encarregado de esculpir a Pintura, representada como um modelo de figura humana e pincéis, e o busto de Michelangelo, foi retirado da máscara fúnebre de Daniele da Volterra.

Giovanni dell’Opera (Florença 1540-1599) esculpiu a arquitetura que segura um compasso e um pergaminho na mão.

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Cristiane de Oliveira

Brasileira do Rio de Janeiro, vive em Florença ha 17 anos. Apaixonada por arte, historia e bons vinhos. Guia de turismo e sommelier na Toscana.

2 comentários

Joanes · dezembro 6, 2023 às 9:14 pm

Parabéns pelo trabalho! Continue!

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