Banqueiro experiente e político prudente, Cosimo de Medici lançou as bases de uma dinastia que duraria três séculos.
Nascido em 1389, Cosimo viveu durante quarenta anos na sombra do pai, Giovanni di Bicci. Foi educado na célebre escola do Monastero dei Camaldolesi, conhecida como Santa Maria degli Angioli. Conhecia a língua grega, o latim, o árabe, além de outras línguas mais modernas. Era um verdadeiro amante da arte e da cultura e patrocinou grandes artistas da época.
Na época de seu nascimento, Cosimo de Medici – posteriormente chamado de “Il Vecchio” (O Velho em português) para distingui-lo de seus sucessores que teriam o mesmo nome – não parecia ter os requisitos para aspirar o sucesso neste cenário: apenas duas gerações antes dele, sua família estava envolvida no comércio de lã. Mas seu pai, Giovanni, investiu seus modestos recursos na criação de um banco em Florença em 1397, que 30 anos depois poderia contar com uma grande fortuna e filiais em Roma e Veneza. Com a morte de seu pai em 1429, Cosimo e seu irmão Lorenzo herdaram quase 200.000 florins de ouro e uma invejável rede de influências que alcançou a Cúria Papal em Roma.
Sob sua direção o banco da família chegou ao ápice do sucesso, com filiais em toda a Europa: 16 filiais nas principais cidades europeias. A riqueza de Cosimo, o seu modo cortês, a sua habilidade e o tato para tratar dos negócios, além claro, de uma alma generosa, contribuíram para que ele fosse tão popular quanto fora seu pai.
O matrimônio com Contessina de’Bardi
Com quase quarenta anos, Cosimo ocupava uma posição muito mais influente do que seu pai jamais ocupara. Além de muito rico, conseguiu conquistar uma posição social significativa graças ao casamento com Contessina dei Bardi, integrante de uma das famílias aristocráticas mais ilustres da cidade. Esse vínculo permitiu-lhe lidar em pé de igualdade com famílias do alto escalão dentro e fora das muralhas de Florença. Cosimo teve dois filhos com Contessina: Piero, o primogênito e Giovanni, o filho preferido. Teve também um filho ilegítimo com uma escrava, chamado Carlo.
No passado, os Bardi eram um dos principais banqueiros de toda a Europa, porém a família tinha vividos dias tristes, antes do matrimônio de Contessina com Cosimo. Eles haviam emprestado uma grande soma de dinheiro a Eduardo III da Inglaterra, soma esta que nunca foi restituída. Dessa forma, o Banco dos Bardi entrou em colapso.
Com o matrimônio o Palácio dos Bardi passou a ser propriedade dos Medici e Cosimo alí viveu com Contessina até a morte de Giovanni di Bici. É ali que provavelmente nasceu o primogênito do casal, Piero. Porém Cosimo tinha o desejo de ter uma Palácio somente seu, e assim nasceu o Palazzo Medici, projetado por Michellozo.
O Palazzo Medici
Para Cosimo o novo palácio deveria ser um modelo de arquitetura que ultrapassaria os edifícios existentes em Florença. Naquela época, Brunelleschi estava finalizando a cúpula de Santa Maria del Fiore, reconstruía a Basílica de San Lorenzo e iniciava a construção de Santo Spirito, era o arquiteto mais famoso da cidade.
Assim, inicialmente Cosimo tinha pensado em contratá-lo para a construção do novo palácio. Mas o projeto de Brunelleschi foi considerado muito grandioso, o que ia contra a sua política de Cosimo de não ostentar luxo e assim, ele preferiu o projeto de Michelozzo, que era menos pretensioso.
Para decorar o pátio do Palazzo Medici Cosimo chamou Donatello que era o maior escultor da época. Assim, para o Palazzo Medici, Donatello realizou o David de bronze, hoje no Bargello, Judite e Holofornes conservado no Palazzo Vecchio e os medalhões copiados das joias antigas que ainda hoje vemos no pátio do palácio.
Um homem de negócios
Cosimo foi provavelmente o administrador mais habilidoso da família: nos 25 anos que esteve à frente do Banco Medici, dobrou a fortuna que recebera de seu pai e abriu novas filiais em Nápoles, Genebra, Bruges, Paris, Londres, Pisa, Avignon , Milão e Lyon. Apesar do papel político que adquiriu ao longo do tempo, continuou sendo essencialmente um empresário.
A fortuna da família permitiu-lhe conquistar a simpatia dos humildes e poderosos: criou empregos em benefício dos primeiros, graças ao patrocínio de obras públicas, obtendo grande apoio entre as guildas e facilitando o progresso social dos seus dirigentes; Aos nobres concedeu empréstimos necessários para adquirir favores, pagar exércitos mercenários ou ainda para pagamento dos dotes generosos para suas filhas.
O Convento de San Marco
Dedicou grandes somas de dinheiro para as obras públicas como o convento de San Marco, que em 1437 foi completamente reconstruído por Cosimo. Localizado próximo ao Palazzo Medici, o Convento tinha como Prior um dos homens mais amados de Florença, Antonino Pierozzi, hoje Santo Antonino de Florença.
San Marco era um dos lugares preferidos de Cosimo e alí foi construída uma cela onde ele poderia se refugiar quando se sentia atormentado com os problemas da vida política. A reconstrução do convento lhe custou 36.000 ducados. No convento foi construída uma biblioteca, obra de Michellozo, que recebeu uma doação de Cosimo de quatrocentos volumes de manuscritos.
Cosimo também financiou a decoração das celas de San Marco realizadas por Fra Angélico. Ainda hoje, milhares de amantes da arte, visitam San Marco para admirar as obras-primas de Fra Angélico.
Cosimo também financiou a Badia de Fiesole, a reconstrução da Basílica de San Lorenzo, que havia sido iniciada pelo seu pai e o mais ambicioso projeto que a cidade já vira: a construção da cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore. Ele também fundou a Academia Neoplatônica, que marcou o início do Renascimento Intelectual Florentino.
A vida política
Seguindo o exemplo do seu pai, Giovanni di Bicci, Cosimo tomava o cuidado de não realizar projetos muito ostentosos para não despertar inveja e mexericos. Se envolvia em projetos públicos apenas com a condição de que seu patrocínio estivesse associado à prosperidade da cidade e não fosse interpretado como uma exibição pública de riqueza. Naquela época, Florença era dividida por rivalidades entre as grandes famílias e Cosimo usou sua riqueza para tecer uma vasta rede de influências que o tornara o primeiro senhor de fato da cidade.
No final do Século XIV, a florescente burguesia italiana estava se preparando para superar a velha classe aristocrática. Embora ter uma linhagem nobre ainda proporcionasse status e considerável influência, a economia agora ditava o destino das cidades. As corporações foram cada vez mais influentes, o comércio floresceu e o poder dos bancos aumentou exponencialmente, de cujos empréstimos dependiam todas as ações políticas, desde a construção de obras públicas até a capacidade de recrutar exércitos nas guerras contínuas contra as cidades vizinhas.
Os tempos haviam mudado e o dinheiro agora importava mais do que o sobrenome. Os nobres florentinos não gostavam desta situação: até aquele momento, de fato, a aristocracia ocupava todos os cargos públicos e não via com bons olhos o acesso da burguesia às instituições políticas. Naquela época, a facção aristocrática era liderada pelas poderosas famílias Albizzi e Strozzi, que viam nos Medici um contrapeso perigoso ao seu poder: embora Cosimo, em linha com seu caráter prudente, tentasse não monopolizar muitos cargos públicos, por meio de favores. Porém, o poder econômico dos Medici foi capaz de tecer uma vasta rede de laços que lhe garantiram, na prática, o apoio a todos os seus projetos.
O exílio de Cosimo, o Velho
Acusando-o de ter tentado estabelecer um governo tirânico, seus rivais conseguiram prender Cosimo, que só evitou a pena de morte graças à intervenção de poderosos aliados. Ele foi preso na torre do Palazzo Vecchio e segundo a tradição, rejeitou alimentação com medo de veneno durante três dias. A ira da população e dos seus aliados, impediram que Cosimo fosse morto e assim os nobres contentaram-se com a condenação de exílio. Todos os Medici foram exilados e acompanhados pela guarda armada até a fronteira de Florença.
O decreto de exílio emitido pela Signoria de Florença, declarava que os Medici foram banidos da cidade porque eram perigosos para a República por causa da riqueza e da ambição da família. A sentença e os motivos do exílio foram notificados aos outros Estados, aumentar a vergonha e a humilhação da família. Assim, os Medici foram expulsos pela primeira de Florença, coisa que acontecerá outras vezes na história.
Escapado da morte, Cosimo foi para Pádua e depois para Veneza, onde viveu cercado de luxo por alguns meses. A ausência dele na cena política florentina, porém, voltou-se contra seus inimigos, e a rede de influências dos Médici conseguiu garantir que o exílio fosse revogado. Dentro de um ano, Cosimo retornou triunfante à Florença.
O retorno de de Cosimo
Em setembro de 1434, a sentença de exílio de Cosimo foi anulada e os mensageiros foram enviados para convidar Cosimo e os seus para retornarem a cidade. Os Albizzi, então, pegaram as armas e tentaram tomar posse do Governo antes do retorno de Cosimo; mas a Signoria resistiu e com a ajuda das tropas de Pistoia, impediu o golpe de Estado. Assim, Cosimo entrou triunfante em Florença no dia 06 de outubro de 1434. Foi recebido quase como um conquistador, no meio de grande festa.
Os Albizzi e os seus seguidores (cerca de 80 pessoas) foram exilados, não por pedido de Cosimo, mas por terem tentado o golpe de Estado antes do retorno dos Medici.
Este retorno representou para os nobres a confirmação de que o tempo estava para acabar: a criação de novos governantes, com maioria a favor da política popular de Cosimo, foi o início de uma mudança nas instituições governamentais, em que as corporações contavam sempre mais. Por sua vez, esse processo influenciou também a política externa, no qual as alianças passaram a ser estipuladas com base em interesses econômicos e o equilíbrio entre as diversas potências da península italiana era cada vez mais precário. Poucos meses após o retorno, Cosimo foi eleito Gonfaloneiro por dois meses, um dos maiores cargos da República Florentina.
Cosimo foi capaz de administrar a diplomacia internacional: explorando suas alianças pessoais, ele conseguiu encontrar um equilíbrio entre as cidades de Milão e Veneza, de modo que nenhuma delas prevaleceu sobre a outra e assim não ameaçava a segurança de Florença.
O Concílio de Florença
Em 1439, Cosimo o Velho, usou toda a sua influência política para transferir o Concílio de Ferrara para Florença. Tratava-se de um Concílio que tinha a intenção de reunir a igreja do ocidente com aquela do oriente. Era a primeira vez que se reuniam o Imperador do Oriente, o Patriarca de Constantinopla e um Papa de Roma, além das principais personalidades do oriente e do ocidente.
Para Cosimo e para Florença, era importante ser anfitrião de um evento deste porte. Todas as despesas para hospedar os participantes foram assumidas pessoalmente por Cosimo, não pesando assim nos cofres do Estado.
Essa grande reunião em Florença com personalidades do oriente, influenciou muito a cultura e a arte florentina. Podemos compreender assim, da onde veio a inspiração de pintores como Benozzo Gozzoli e Gentile da Fabriano ao representarem personagens com roupas exóticas, diferente da moda florentina da época. Os modelos foram copiados das pessoas que eles viram pelas ruas de Florença, na época do Concílio.
Infelizmente, o Concílio de Florença não conseguiu reunir as duas igrejas, pois um mês antes do seu término, morreu o Patriarca de Constantinopla, sepultado na Basílica de Santa Maria Novella e todos os acordos foram feitos pelas duas igrejas, foram levados pelo vento.
A morte de Giovanni e Cosimo
No início de 1450, Cosimo era um dos homens mais influentes da Península e fizera de Florença o fulcro da política italiana. Fora dos muros da cidade, ele era tratado quase como um chefe de estado e o banco da família estava crescendo sempre mais.
No entanto, sua saúde lhe obrigou – era um homem devorado pela gota, uma doença que afetaria muitos de seus descendentes – a se retirar dos olhos do público. Seus filhos ocuparam seu lugar na política, enquanto os herdeiros de seu irmão Lorenzo – falecido em 1440 – assumiram os negócios. A linhagem do Lorenzo, o Velho, teria comandado o Grão-Ducado da Toscana, cerca de um século depois.
Apesar dos esforços de Cosimo para aumentar o prestígio e o poder de sua família, o destino não sorriu para ele: em 1463 morreu seu filho favorito, Giovanni, em quem ele havia depositado suas esperanças de sucessão em vista da saúde frágil do seu filho primogênito, Piero. Suas expectativas dependiam, portanto, do jovem neto Lorenzo, o futuro Magnífico, de apenas 15 anos. Cosimo apreciava muito o precoce talento diplomático de Lorenzo, embora sabia que o seu neto não tinha muita prudência com a administração da fortuna da família.
Em 1º de agosto de 1464, com quase 75 anos de idade e consumido pela gota, Cosimo faleceu na mansão de Careggi, onde se retirou em busca de tranquilidade. O Governo Florentino se ofereceu para financiar um funeral de Estado para Cosimo. A oferta foi gentilmente recusada por seu filho Piero, pois era um pedido expresso de Cosimo, que em seus últimos votos disse que queria ser enterrado como simples cidadão.
No entanto, a Signoria concedeu-lhe o título de “Pai da Pátria”, o grande gesto de uma cidade imensamente grata ao grande estadista, que morreu como viveu: com aparente modéstia, mas de fato como Senhor de Florença. Mas esse não foi a única honra recebida por Cosimo após a sua morte.
Debaixo do altar da Basílica de San Lorenzo foram depositadas diversas relíquias de santos mártires. Uma antiga lei da igreja católica proibia, por veneração das relíquias, a sepultura de qualquer pessoa dentro da Basílica, permitindo somente que elas fossem colocadas nas sacristias ou nas capelas.
Em casos especiais, era possível sepultar na cripta em baixo da igreja, com condição que não tivesse uma pedra sepulcral dentro da igreja. Por consequência, no piso da Basílica de San Lorenzo não existe nenhuma pedra sepulcral, com exceção de uma: aquela de Cosimo, Pater Patriea.
Em vez de encotrarmos um sarcófago, debaixo da pedra sepulcral colocada no piso em frente ao altar maior de San Lorenzo, vemos uma grande coluna quadrada de cerca dois metros e meios de largura que sobe até a pedra sepulcral. Assim, coluna e pedra, formam um único monumento. Tal honra nunca foi dada a nenhum florentino, somente a Cosimo, que realmente foi sepultado em frente ao altar maior de San Lorenzo.
Sabemos pelos escritos deixados por Piero, que o funeral de Cosimo foi realizado no dia seguinte a sua morte. Conforme a tradição, Piero comprou roupas, lenços e véus (para as mulheres) para todos que participaram do funeral, inclusive para os servos. Durante oito dias, Piero mandou celebrar 30 missas diárias, totalizando 240 missas. De 11 de agosto a 11 de setembro foi celebrada na Basílica de San Lorenzo uma missa ao dia, totalizando 30. No mesmo período, os frades da Basílica de San Marco, da Badia di Fiesole e do Bosque ai Frati no Mugello, também celebraram missas diárias em honra a Cosimo. San Lorenzo, a igreja dos Medici, continuou a celebrar missa na primeira sexta-feira do mês e em todas as quarta-feiras, dia do óbito de Cosimo, durante um ano.
Muitos dos Bancos Medici espalhados pela Europa, também mandaram celebrar a missa para a alma de Cosimo às quartas-feiras. Piero distribuiu, em homenagem ao pai, uma grande soma de dinheiro as principais igrejas da cidade e também para instituições religiosas femininas. Piero também pagou diversos dotes para que as moças pobres pudessem contrair matrimônio, além dos débitos de muitos cidadães que conseguiram escapar das condenações. A morte de Cosimo, para alguns, representou um grande “presente” dos céus.
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